quarta-feira, 23 de janeiro de 2008



O senhor escreveu que o mundo atual vive um período caótico como poucas vezes ocorreu na história. Como define esse caos?

Passamos por um momento em que nada é previsível. Escolha uma área qualquer da vida, e o que se encontra é a incerteza. Seja no que diz respeito à segurança nacional e à vida das empresas, seja no encaminhamento das carreiras individuais. Ninguém mais está seguro de nada. Esse ambiente encaixa-se nas definições técnicas e científicas das teorias sobre o caos. Hoje em dia, muitas ideias que foram sólidas como rocha para gerações e gerações se desmancharam no ar como fumaça. Não existem mais fórmulas precisas de como conduzir com segurança a administração de uma empresa. As regras antigas foram lançadas pela janela. Não surgiram outras. O que se tem a fazer agora é seguir adiante e refazê-las à medida que avançamos.

Mas isso nem sempre é possível para a maioria das pessoas...

É certo que muito pouco pode ser feito individualmente no que diz respeito às grandes mudanças provocadas pelo fim da Guerra Fria e pelo desmantelamento dos dois blocos gigantes que se contrapunham, o do Oeste e o do Leste. As batalhas globais agora são de outra natureza. O terrorismo, antes uma forma rara de conflito, tornou-se presente na vida de milhões de pessoas. Além disso, as mudanças extraordinárias na área tecnológica, ao mesmo tempo que representam um avanço revolucionário, provocam muita ansiedade e confusão. Tanto a vida das empresas quanto a de seus profissionais foram profundamente afectadas. Globalmente, o foco de poder está a atravessar o Oceano Pacífico em direção à China e à Índia. Quando o potencial desses dois países for exercido na totalidade vai mudar tudo de novo no mundo. O crescimento económico impressionante destas nações e sua população conjunta, que equivale a um terço da humanidade, são factores muito fortes. Essas mudanças não acontecerão do dia para a noite, mas ao longo dos próximos vinte ou trinta anos, as suas ondas de choque vão fazer-se sentir.

Mas mesmo com todas essas incertezas do mundo, as pessoas ainda voltam para casa ao fim do dia, sentam-se com os familiares e a vida segue o seu rumo, não?

Não é mais assim. Actualmente, em 80% das famílias americanas, o pai e mãe trabalham fora. A estabilidade de sentar-se à mesa de jantar para conversar sobre a vida simplesmente evaporou. A incerteza política trazida pelo terrorismo, o fato de não mais sabermos quem são nossos inimigos, é um factor perturbador mesmo quando estamos em casa. Os estudiosos usam a expressão "choque das civilizações" para explicar a contraposição do mundo islâmico em relação ao mundo judaico-cristão. Hoje o que se vive no mundo é uma situação muito mais instável do que a simples diferença cultural, religiosa ou de adaptação a novas tecnologias e modelos de gestão administrativa. O problema agora é mais profundo e abrangente. É a dificuldade de definir com clareza quais são as lealdades das pessoas, das empresas e das instituições. Além de inseguras, as pessoas sentem-se abandonadas, como se elas fossem a última preocupação dos governos e das empresas.

O que cada pessoa pode fazer para minorar os efeitos dessa situação?

A solução seria cada um tentar desenvolver um grau de independência tal que parecesse absurdo às gerações passadas. O meu conselho é que cada um se considere presidente da empresa de si próprio. Ou seja, gira a sua vida como um líder empresarial que sabe que o ambiente pode mudar para pior a qualquer momento. Portanto, mesmo que a pessoa trabalhe numa companhia de petróleo ou outra empresa de um sector sólido, a melhor atitude é preparar-se para as mudanças. Não chega a ser um consolo, mas o mundo hoje tem o que chamo de "funcionalidade cruzada", ou seja, há um incentivo maior ao aumento da honestidade e da transparência nas relações humanas. Entre outras consequências disso, a melhor é que hoje em dia vale mais a pena fazer política. Os movimentos têm maior força para demolir as irracionalidades das empresas e do Estado.

Isso está relacionado com o facto de que, depois dos escândalos recentes, quase não existe mais nos Estados Unidos a figura do "herói corporativo", o presidente de companhia omnipotente e iluminado?

O metabolismo das empresas mudou por diversas razões. O presidente hoje precisa assimilar o novo compasso de transformações à sua volta. Isso obriga-o, em primeiro lugar, a dar maior ênfase a seu aperfeiçoamento pessoal, a sua própria capacidade criativa. Para os funcionários, isso tem duas implicações. A primeira é que os seus chefes não podem mais deixá-los em carreiras estagnadas, dedicados a funções mundanas e repetitivas. A segunda é que essa roda-viva aumenta mais a sensação de que o mundo está a mover-se muito rapidamente e é imperativo não ficar para trás. Os presidentes de companhia sabem que sem inovação eles falahm, e para ser inovador é preciso ter habilidade para fazer mudanças rápidas.

No seu novo livro, Re-Imagine!, o senhor diz que as formas de "organização virtual" são uma das maiores ameaças do mundo actual e que o terrorismo se nutre delas. Como funciona essa organização?

A organização virtual, principalmente via internet, é o resultado da capacidade de grupos de pessoas se juntarem para um determinado fim, mesmo estando fisicamente distantes umas das outras. Isso catapulta a eficiência de uma forma impensável há poucos anos. A organização virtual pode ser usada para namorar, conseguir um parceiro ou para projectar novos processadores. Mas pode ser usada também para preparar um atentado terrorista. Na minha opinião, o atentado de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos foi o momento em que a organização virtual ganhou um novo e trágico significado. Ele foi pensado por mentes actuando em conjunto em diversas partes do mundo. Foi a demonstração de que a popularização de poderosas tecnologias pode ter um efeito mais dramático do que o mais pessimista dos analistas poderia imaginar.

Em 1987, o senhor já escrevia sobre a incerteza, e o título de um de seus livros daquele ano é Prosperando no Caos. Que diferença existe entre a situação de agora e a de dezesseis anos atrás?

Aquele livro foi uma antecipação aos dias de hoje. Escrevi sobre um mundo onde as coisas estavam acontecendo a uma velocidade muito maior que no passado. Naquela época não existia a internet e a União Soviética ainda estava de pé e com saúde. Eu alertei para o fato das velocidade das transformações estar a aumentar. Adverti também que o ritmo iria acelerar ainda mais no futuro. Acertei no meu diagnóstico? Sim, mas, certamente, não poderia saber que as mudanças seriam ainda mais rápidas.

As gerações que assistiram ao surgimento do automóvel e dos vôos comerciais também podiam achar que o mundo estava muito veloz para elas, não?

Há duas hipóteses completamente diferentes sobre o assunto. Uma é que nada mudou e o mundo sempre foi acelerado. Falo sobre o caos e a loucura dos dias de hoje. Mas isso faz mesmo sentido? A minha mãe tem 94 anos. Isso significa que ela presenciou a invenção do carro, a proliferação do uso do telefone, passou por duas guerras mundiais e sofreu todos os medos e ansiedades da Guerra Fria. Ela viu a chegada da televisão e agora a da internet. Quem sou eu para dizer que as coisas estão mais selvagens do que antigamente? A hipótese de que todas as gerações tiveram a sensação de viver tempos caóticos não pode ser descartada muito facilmente. O outro lado da moeda dá conta de que existem sólidas bases científicas na constatação de que a velocidade das mudanças nos tempos actuais é muito maior do que em qualquer outro período histórico. Destruir e criar sempre foi uma lei do capitalismo, mas hoje a destruição está acelerada e não é apenas aceita, mas incentivada. Destruir uma empresa por dentro e recriá-la de modo inteiramente novo é, em muitos casos, a única saída para escapar da irrelevância. Esses processos são dolorosos, implicam acabar com postos de trabalho, exportar empregos para a Índia, o Paquistão ou para onde for mais barato mantê-los.

Nos séculos XIX e XX, as idéias revolucionárias de Charles Darwin, Sigmund Freud e Karl Marx puseram a vida de pernas para o ar. O senhor concorda que as reviravoltas actuais são menos impactantes?

São mais rápidas e de efeito mais imediato. Talvez possamos argumentar que o terrorista Osama bin Laden represente para os primeiros anos do século XXI o que Lenine representou para a primeira metade do século XX. Não sei quem idealizou terrorismo de Bin Laden, já que ele distorceu completamente os ensinamentos do islão. Mas, de qualquer forma, é ele quem está a exercer a teoria e a prática dos ataques ao Ocidente. Há então também uma provável analogia entre Marx e Bin Laden. Darwin talvez tenha hoje nos investigadores do caos do Instituto Santa Fé, no Novo México, seus iguais na busca de uma ordem nova num mundo em franca transformação. Quanto a Freud, acho que sua teoria do inconsciente e da psicanálise foram ultrapassadas pelo mundo moderno. Freud tinha certeza de que a medicina um dia explicaria como a mente funciona no nível biológico. Enquanto isso não ocorresse, a psicanálise seria um bom paliativo. Agora estamos a aprender, célula a célula, molécula a molécula, como a mente funciona.

Em 1989, o cientista político Francis Fukuyama publicou o seu famoso artigo "O Fim da História", no qual decretava a vitória final da democracia e da economia de mercado sobre o comunismo e previa tempos mais amenos para a humanidade. Como o senhor analisa essa tese hoje?

Certamente não chegamos ao fim da história. O abafamento de todas as demais ideologias pelo capitalismo não aconteceu da maneira como Fukuyama previu. Acho que o equivalente do artigo O Fim da História, na minha pequena versão do mundo dos negócios, ocorreu quando a internet chegou para valer a um número significativo de empresas e lares. Isso aconteceu há sete ou oito anos nos Estados Unidos. Então, foi a nossa vez de errar. Eu e muitos colegas chegamos a afirmar que existiam razões para acreditar que os ciclos económicos tinham acabado e, finalmente, se inaugurava uma era de prosperidade livre dos altos e baixos típicos do sistema capitalista. Essa previsão acabou por se revelar um grande disparate.

Os estilhaços da explosão da "bolha" da internet ainda fazem estragos actualmente?

Não acho que a falência em massa das empresas de internet tenha sido uma bolha. A internet mudou tudo, e isso é facto. A bolha foi um período curtíssimo de especulações enlouquecidas. Ainda hoje, falando francamente, especula-se com o mesmo ímpeto, só que os movimentos não são tão sincronizados nem tão visíveis quanto os da década passada. O impacto tecnológico da internet continua a ser muito grande. A ascensão de megaempresas como Wal-Mart e muitas outras só foi possível pelos avanços da tecnologia da informação.

A tecnologia da informação pode amenizar as diferenças e as rivalidades que existem no mundo atual?

Existem forças titânicas activas no mundo atual, e elas não podem ser previstas e muito menos controladas. A primeira coloca a Ásia contra o resto do mundo. A segunda é o terrorismo contra os Estados organizados. Essas são rivalidades grandes demais para se dissipar de forma indolor. Mas, se tomarmos como correcta a tese de que a raça humana não se vai autodestruir, poderemos ser surpreendidos por inesperados capítulos na história do homem sobre o planeta.

(fonte: revista veja)

Posted by ... Unknown às 11:48
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