segunda-feira, 2 de junho de 2008



I. A GLOBALIZAÇÃO É UMA IDEIA NOVA?

"A globalização não é um modismo, um jogo Nintendo, mas um sistema internacional. E, assim como a Guerra Fria, ela também tem as suas próprias regras, a sua lógica interna, com pressões, incentivos, oportunidades e mudanças que afectam a vida de cada país, de cada comunidade, e também a empresa em que cada um de nós trabalha. Se quer realmente saber o que está a mudar o mundo, é preciso entender a globalização. Sou o primeiro colunista de assuntos internacionais do Times depois do final da Guerra Fria e o quinto em toda a história do jornal. O cenário mundial do primeiro deles foi a II Guerra. Já os últimos três tiveram a Guerra Fria como pano de fundo. Eu cheguei ao posto em 1994, quando o Muro de Berlim já tinha caído. Logo que assumi, a primeira pergunta que me fiz foi: 'Qual é o meu cenário, qual é a história que tenho para cobrir?'. Globalização é a resposta. E essa é uma super-história: olhe para a China, para a América, para o Brasil, para o mundo todo, cada vez mais interligado! Portanto, para mim, globalização não é uma ideologia nem um programa económico a ser defendido; é, isso sim, uma interpretação daquilo que está a acontecer no mundo."

II. GLOBALIZAÇÃO NÃO SERIA APENAS UM NOME SUAVE PARA A AMERICANIZAÇÃO DO MUNDO?

"A globalização é a consequência do triunfo dos valores defendidos pela economia de mercado. E por quê a economia de mercado? Porque em todo o mundo as pessoas tentaram uma série de outros sistemas e acabaram chegando à conclusão de que eles não funcionavam. Portanto, a economia de mercado é consequência do triunfo de certas ideias e também do triunfo de certas tecnologias. Quando, por exemplo, eu abro uma empresa para vender óculos de sol pela internet, todos os meus clientes potenciais são globais – de San Francisco a São Paulo – e da mesma maneira, os meus competidores são globais – de Washington ao Rio de Janeiro. O mesmo vale para os meus consumidores. Portanto, no momento em que chega à internet, torna-se imediatamente um animal global. Tem de ser assim. Isso é uma ideologia? Isso é uma coisa que eu defendo? Ou será que não passa da consequência de uma tecnologia que agora pode conectar todo mundo à volta da Terra de um modo antes inimaginável? E isso aplica-se também a todas as tecnologias que derrubaram os muros em torno do planeta. A globalização é justamente o resultado da queda desses muros."

III. A ÚLTIMA CONSEQUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO SERÁ O FIM DA DIVERSIFICAÇÃO CULTURAL NO PLANETA?

"Esse lado da globalização é apavorante – é uma espécie de darwinismo com anabolizantes. A globalização pode provocar uma devastação no ambiente e nas culturas locais se não for controlada. Muito da minha inspiração para esta afirmação veio das visitas que fiz ao Pantanal Mato-Grossense e ao que restou da Mata Atlântica brasileira. Países globalizados precisam de recursos que lhes permitam proteger tanto a sua natureza como os seus valores culturais. O meu receio é que os países saiam numa corrida louca para se tornarem globais e acabem por perder a sua cultura e o seu ambiente."

IV. UM MUNDO GLOBALIZADO TEM MAIS HIPÓTESES DE VIVER EM PAZ?

"Em 1996 comecei a escrever na minha crónica que, ao redor do mundo, os países vizinhos àqueles em que o McDonald's tinha instalado restaurantes jamais haviam declarado guerra um contra o outro depois dos seus povos passaram a ter acesso ao Big Mac e a batatas fritas. Eu usava essa metáfora para dizer de uma forma bem-humorada que, num mundo mais interligado, o preço que paga para fazer guerra é muito mais alto que nos tempos da Guerra Fria. Agora, nem a Rússia, que está falida, nem os Estados Unidos, que têm um orçamento equilibrado, vão financiar as guerras tribais, como faziam no passado. Se, por exemplo, o Brasil e a Argentina entrassem em guerra amanhã, as suas economias seriam imediatamente punidas pelas bolsas de valores em todo o mundo. As acções desses países perderiam seu valor. Por isso, a minha tese é que toda essa integração económica afecta a política interna das nações. O meu símbolo era o McDonald's. Acho que essa tese era tão, digamos, charmosa e ao mesmo tempo válida que vários cientistas políticos tentaram provar – sem sucesso – que eu estava errado. Tentaram dizer que minha tese caiu por terra por causa da guerra no Kosovo, mas ali, como deixei claro em meu livro, tratava-se de uma guerra civil. Mas digamos que ainda assim eu estivesse errado, do mesmo modo minha teoria aplica-se a 99,99% dos casos, o que é uma boa média para a ciência social.

Não foi por acaso que chamei o meu livro de O Lexus e a Oliveira. Na parte do Lexus, o carro produzido pela Toyota, que também diz respeito ao McDonald's, falo de tecnologia, integração cultural e económica. Já a oliveira vem de uma imagem do próprio Médio Oriente, do papel que as forças ancestrais da cultura e da tradição desempenham no mundo. Mas minha tese do McDonald's refere-se às regiões que já estão ligadas ao sistema global, e eu não acredito que a margem ocidental (o território palestino) esteja ligada ao sistema. Da mesma forma que isso não se aplica à Síria, que não tem restaurantes McDonald's, tão pouco ao Iraque. Outra coisa é que Yasser Arafat liga muito mais para suas oliveiras que para os Lexus – ou melhor, ele liga para os seus Lexus, mas não dá importância ao facto de que seu povo também possa vir a querer ter Lexus. A oliveira continuará a ter papel fundamental nas culturas porque religião, tradição e costumes locais são tão básicos à humanidade como o próprio ADN."

V. ACABOU O TEMPO EM QUE OS GOVERNOS PODIAM ENDIVIDAR-SE SEM CONSEQUÊNCIAS MAIORES?

"Os países vestiram o que chamo de 'colete-de-força dourada'. O Brasil, por exemplo, vestiu-a de uma maneira que hoje lhe é razoavelmente confortável. O importante é saber que de agora em diante só existe um caminho a ser seguido, o do colete-de-força dourada. Mas cada país pode escolher a velocidade com que se enquadrará nela, pois é preciso garantir a estabilidade social em cada país. Mais cedo ou mais tarde os países serão classificados da mesma maneira que qualquer devedor. Diria que a Rússia e a Argentina são papéis de alto risco, enquanto o Brasil e a China são papéis de risco médio. O Brasil está à frente de todos esses países em vários aspectos. Ele é mais desenvolvido, já que tem economia de mercado, democracia e internet. A China tem uma energia extraordinária e vem demonstrando muito mais apetite que o Brasil para crescer, mas não tem as instituições que o Brasil possui. Já a Argentina, apesar de também ter instituições como o Brasil, está a naufragar economicamente por falta de liderança."

VI. A GLOBALIZAÇÃO VAI LEVAR A DEMOCRACIA A TODOS OS CANTOS DO MUNDO?

"Aqueles países que possuem boas instituições vão-se dar bem em tempos globais, os que não tiverem vão ter um problema sério para resolver. E isso não tem apenas a ver com os altos e baixos da economia. O governo é uma espécie de tomada, que o liga ao sistema. Se ele for um bom governo, estará ligado com segurança. Se for corrupto ou fraco, o trânsito entre o seu país e o 'rebanho eletrónico', ou seja, o fluxo de capitais que se move digitalmente pelo mundo, será interrompido, asfixiando a sua economia. E isso acontece não apenas porque as ditaduras e a corrupção sejam imorais, mas porque elas são antiprodutivas. Um bom governo tem de ser equipado com uma burocracia eficiente e honesta, bons tribunais, boas instituições regulatórias. As pessoas estão excessivamente preocupadas com o chamado 'abismo digital'. Eu não. Em cinco anos, quem hoje ganha apenas o equivalente a 1 dólar por dia poderá comprar uma Palm Pilot. A democratização tecnológica encarregar-se-à disso. Mas será que daqui a cinco anos teremos a segurança de que, por exemplo, os julgamentos serão justos em Manaus, sem que os juízes brasileiros sejam corruptos? O que dizer do abismo entre as pessoas? É isso que importa."

VII. A HISTÓRIA ECONÓMICA ESTÁ CHEIA DE EXEMPLOS DE SURTOS ECONÓMICOS EM QUE SÓ UMA MINORIA PROSPERA. POR QUE SERIA DIFERENTE COM A GLOBALIZAÇÃO?

"A desigualdade social, não só no Brasil, mas em toda a América Latina, tem profundas razões históricas e sociais. A pobreza dos povos latino-americanos é um tremendo fardo para a região. Se existem elites que são tão egoístas a ponto de ignorar completamente aqueles que no meu livro eu chamo de 'os que não têm nada', 'não sabem nada', ou 'que foram deixados para trás', mais cedo ou mais tarde eles irão atrás dessas elites. Por outro lado, os pobres têm um grande potencial, uma grande capacidade produtiva que está sendo desperdiçada se continuarem à margem do mercado. A força dos Estados Unidos deve-se, em boa parte, à grandeza de sua elite, dos bilionários que doam fortunas a escolas, hospitais, museus e universidades.

Uma economia global bem-sucedida para a maioria funciona como um circo. Ela precisa de três coisas. A primeira é o trapézio, ou seja, as regras selvagens do livre mercado, aquilo que permite que os empreendedores saltem, voem, corram os riscos necessários para a economia florescer. Sem o trapézio não há crescimento. Em segundo lugar, é preciso trampolins, porque algumas pessoas lançam-se ao trapézio e acabam por cair e outras não têm inicialmente o impulso necessário para alcançar o trapézio. Mas o trampolim significa uma segurança temporária, um instrumento que eles podem usar para voltar ao jogo: esses são os programas de formação, educação, ciência da computação, todos os recursos para as pessoas terem sucesso na nova economia. Em terceiro lugar, há a rede de segurança, porque algumas pessoas nunca conseguirão chegar ao trampolim, e menos ainda ao trapézio. Seria um desastre se elas batessem com a cabeça no cimento. Por isso, a rede de segurança são os programas sociais financiados pelo governo, empresas e comunidades para ajudar as pessoas desamparadas. Estou certo de que, mesmo vestindo o 'colete-de-força dourada', os países podem financiar o custo do trapézio e da rede de segurança."

VIII. MUITAS PESSOAS TEMEM A GLOBALIZAÇÃO EXACTAMENTE POR SE PRETENDER GLOBAL. ELA NÃO SERIA TÃO TOTALITÁRIA QUANTO O SOCIALISMO?

"O socialismo foi um sistema maravilhoso para tornar toda a gente igualmente pobre. Não existe melhor sistema no mundo para isso. E, se alguém precisa de um testemunho a respeito, basta perguntar às pessoas que derrubaram o Muro de Berlim. Já o capitalismo torna as pessoas desigualmente ricas, ele tem a própria brutalidade, mas é um sistema que pode ser moderado. A resposta para mim não é retroceder ao socialismo, mas aprender a calibrar o capitalismo num mundo global: seja redistribuindo rendimentos, seja, muito mais importante que isso, promovendo a educação entre os despossuídos. Digamos que eu precisasse emagrecer 10 quilos. Nesse caso, será que o mais inteligente seria eu cortar minha cabeça? Regredir ao socialismo equivale em inteligência a pedir a uma pessoa em regime de dieta que perca 10 quilos e ela decida simplesmente cortar a cabeça.

Por outro lado, a globalização é um conceito extremamente complicado. A globalização é uma coisa que não tem alma. Veja, por exemplo, o nacionalismo árabe. As ideologias do Médio Oriente não têm qualquer sentido económico, mas elas tocam a alma dos povos e os entusiasmam. Por sua vez, a globalização faz o maior sentido para todas as economias do mundo, mas é um tema que não consegue tocar a alma de ninguém."

XI. A ECONOMIA DOS ESTADOS UNIDOS PODE ALAVANCAR E ARRASTAR COM ELA TODA A PROSPERIDADE DO MUNDO?

"O cenário mundial pode mudar se nós não conseguirmos manter as condições fundamentais da nossa prosperidade, como a produtividade da economia americana. Mas o cerne da exuberância americana são as suas instituições, os fundamentos da sua economia, a sua política e a sua vida social. Essas são as condições que nos dão uma vantagem competitiva incomparável no planeta. E esse alicerce é extremamente sólido, não importa se o mercado de capitais está em alta ou em baixa."

X. COMO MAIORES BENEFICIÁRIOS DA GLOBALIZAÇÃO, OS ESTADOS UNIDOS NÃO DEVERIAM CONTRIBUIR MAIS PARA SEU SUCESSO?

"Os Estados Unidos precisam ter a mão aberta, ajudar os outros povos a fortalecerem-se e a se tornarem parceiros desse sistema global. Acredito que os Estados Unidos deveriam colaborar com o dobro do que colaboram para organismos como o Banco Mundial e bancos de desenvolvimento regional, como para a Ásia, a América Latina e a África. O nosso dinheiro precisa ser usado para ajudar as pessoas a construir instituições que as façam prosperar. Essas deveriam ser as linhas mestras da nossa política internacional."

(fonte: revista veja)

Posted by ... Unknown às 12:55
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