sexta-feira, 4 de julho de 2008




O que aprender com o sector terciário

Publicado em julho-agosto de 1989

Partir da missão e daquilo que ela exige talvez seja a primeira lição que uma empresa pode tirar de boas entidades sem fins lucrativos. Isso foca a organização na acção. Define as estratégias exigidas para a consecução de metas cruciais. Deixa a organização disciplinada. É a única coisa capaz de prevenir o mal degenerativo mais comum em organizações, sobretudo as grandes: a pulverização de recursos limitados em coisas que soam "interessantes" ou parecem "rentáveis", em vez de sua concentração em um número reduzido de iniciativas produtivas.

As melhores entidades do sector terciário reflectem muito antes de definir a missão da organização.

Evitam declarações grandiosas cheias de boas intenções e focam-se, antes, em objectivos com implicações inequívocas para a actividade dos seus membros - tanto funcionários como voluntários. O objectivo do Exército de Salvação é converter pessoas rejeitada pela sociedade - alcoólatras, criminosos, indigentes - em cidadãos. A de um grupo de escuteiras é ajudar as crianças a crescer confiantes, capazes, com respeito por si e pelo próximo. A da The Nature Conservancy é preservar a fauna e a flora.

Além disso, uma entidade dessas, parte do ambiente, da comunidade, daqueles que serão seus "clientes". Não começa, como tende a ocorrer com empresas americanas, de dentro - ou seja, com a organização em si ou retornos financeiros (...).

Uma missão bem definida é um lembrete constante da necessidade de ir além da organização não só na busca de "clientes", mas também de parâmetros de sucesso. A tentação de se satisfazer com a "nobreza da causa" - e com isso trocar resultados por boas intenções - está sempre presente em organizações sem fins lucrativos. É justamente por isso que as de sucesso e resultado são aquelas que souberam definir nitidamente que mudanças fora da organização constituem "resultados", e se concentrar nelas.

A experiência de uma grande rede de hospitais católicos no sudoeste americano mostra o quão produtivo pode ser um sentido claro de missão e o foco em resultados. Apesar da queda drástica no investimento de verbas públicas e em internamentos nos últimos oito anos, a rede registou uma alta de 15% na receita (saindo assim do vermelho), promoveu uma grande ampliação dos serviços e melhorou os padrões médicos e de atendimento. Chegou lá porque a freira que a preside entendeu que sua função e a da equipe é prestar serviços de saúde (sobretudo aos pobres), e não gerir hospitais.

Com isso, quando a prestação desses serviços começou a deixar o hospital (por motivos médicos, não económicos) cerca de dez anos atrás, a rede estimulou a tendência, em vez de lutar contra ela. Montou centros cirúrgicos ambulatórios, centros de reabilitação, centros de diagnóstico, planos de medicina de grupo e aí por diante. O lema da rede era: "Se algo é para o bem do paciente, devemos apoiá-lo e, em seguida, fazer com que se pague." Num paradoxo, essa política encheu os hospitais da rede, pois a popularidade dos postos avançados gera um fluxo contínuo de pacientes (...).

Muitas entidades do sector terciário hoje possuem o que ainda é a excepção em empresas: um conselho operacional. E algo mais raro: um presidente que nitidamente presta contas ao conselho e cujo desempenho é avaliado todo ano por um comité do conselho. Possuem, também, algo ainda mais raro: um conselho cujo desempenho é avaliado durante todo o ano à luz de metas pré-estabelecidas. O uso eficaz do conselho é, portanto, outra área na qual a empresa pode aprender com o sector terciário (...).

(...) Por mais comum que se torne a gestão profissional - e executivos profissionais hoje presidem à maioria das entidades do sector, e todas as maiores -, é impossível, a princípio, tornar o conselho de uma entidade dessa natureza tão impotente como o de tantas empresas. Por mais que o presidente de uma entidade sem fins lucrativos desejasse - e alguns sem dúvida desejam -, o conselho não vai dizer amém a tudo. Uma razão é financeira. Em empresas de capital aberto poucos conselheiros são grandes accionistas; já os conselheiros de entidades sem fins lucrativos muitas vezes injectam grandes cifras na entidade, e ainda angariam doações. Além disso, tendem a ter um compromisso pessoal com a causa. Pouca gente actua num conselho paroquial ou no conselho de uma escola se não se importar muito com a religião ou a educação. E mais: por terem actuado com voluntários no passado, muitos conselheiros no sector terciário conhecem a fundo a organização, diferentemente de conselheiros externos numa empresa.

É justamente por esse empenho e esse envolvimento que a relação do conselho de uma entidade sem fins lucrativos com o presidente, tende a ser turbulenta e com elevado potencial de atrito. O presidente queixa-se da "intromissão" do conselho. Já os conselheiros acusam a direcção de "usurpar" a função do conselho. Isso levou um número crescente de entidades do sector terciário a reconhecer que nem o conselho nem o presidente são o "chefe". São colegas que trabalham com o mesmo objectivo, mas executam tarefas distintas. E descobriram que cabe ao presidente definir a tarefa de cada um deles (...).

O enfraquecimento do conselho de uma grande corporação iria, como muitos de nós previmos (a começar por Myles Mace) debilitar a gestão, e não fortalecê-la. Iria dissipar a responsabilidade da gestão pelo desempenho e pelos resultados; com efeito, é raro o conselho de uma empresa de grande porte que avalie o desempenho do presidente à luz de metas pré-estabelecidas. Enfraquecer o conselho também iria, previmos, privar a cúpula gestora de um apoio eficaz e crível caso sofresse ataques. Isso tudo foi amplamente confirmado na recente leva de aquisições hostis.

(fonte: Harvard Business Review)

Posted by ... Unknown às 12:14
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