terça-feira, 7 de outubro de 2008



Embora cerca de 95% dos projectos empresariais fracassem nos primeiros cinco anos, toda a literatura sobre administração empenha-se em analisar os casos de sucesso e propõe receitas quase milagrosas para chegar ao sucesso. Contudo, poucos autores se preocupam em estudar o que não correu bem para nunca mais cometer os mesmos erros. “A analogia que se faz é imperfeita: sabendo por que outros triunfam, poderá evitar o fracasso. Mentira. Para evitar o fracasso é preciso saber porque ele acontece.” É desse princípio que parte Fernando Trías de Bes em O Livro negro do empreendedor. O autor, de origem espanhola, tornou-se conhecido mundialmente graças ao best-seller "A boa sorte".

Existe alguma regra de ouro, uma fórmula mágica para não fracassar no mundo dos negócios?
Não creio que exista, e se existir, eu não conheço. Além disso, se existisse uma fórmula para evitar o fracasso, já teria sido descoberta. O mundo dos negócios está sujeito a um número muito grande de factores exógenos, isto é, factores sobre os quais não temos controle. Esse é o principal motivo pelo qual é impossível que exista alguma regra de ouro. No momento em que a encontrássemos, os nossos concorrentes a replicariam, tornando-a automaticamente estéril e deixaria de ser regra de ouro.
Mas o facto de que não haja uma regra de ouro não significa que não haja um conjunto de regras ou considerações que valha a pena levar em conta. “O livro negro do empreendedor” não é um compêndio de regras, e sim reflexões extraídas da experiência de outros empreendedores que as vivenciaram intensamente. Aprendemos com os erros. Este é um livro que procura identificar, na linha de Pareto, o pequeno número erros que concentra a maior parte dos fracassos.

O que instiga o espírito empreendedor?
Conforme explico no livro, os motivos que levam uma pessoa a tornar-se empreendedora são irrelevantes. As pessoas decidem tornar-se empreendedoras por vários motivos: porque querem enriquecer ou então porque detestam o chefe. A lista dos motivos é praticamente infinita. Contudo, isso não é importante, porque o motivo não explica o sucesso ou o fracasso da empreitada. Temos de distinguir entre motivo e motivação. O segundo é que de facto importa. O empreendedor de sucesso tem uma motivação enorme, irracional e desmesurada. Ela será o combustível que o manterá activo quando os obstáculos aparecerem. Sem motivação ninguém vai à parte alguma.
Agora, se a sua pergunta se refere aos motivos que levam uma pessoa a ter espírito empreendedor, a resposta é outra. Há um conjunto de factores de natureza distinta. Normalmente, o espírito empreendedor tem três origens: personalidade do indivíduo, experiências adversas e carência e, por fim, pode ter origem em pais que também eram empreendedores.

O que não pode faltar na bagagem de quem deseja enveredar pelo mundo dos negócios?
Seu eu tivesse de levar uma coisa apenas, levaria o espírito de sacrifício, isto é, a capacidade de suportar pressões. Quando montei o meu primeiro negócio aos 29 anos, perguntei a um empresário que viajava ao meu lado no avião qual a coisa mais importante para ter sucesso. Ele me disse que para ser empreendedor, o importante era estar pronto para todas as brigas. Onze anos depois de aventuras empresariais, creio que ele tinha razão. A aptidão não é tão importante quanto a perseverança.

Para ser empreendedor, é preciso ter sócios? Quais são os principais erros de uma relação de parceria?
Esse é um tema muito vasto e dedico a ele quatro capítulos do livro, portanto procurarei resumir as idéias principais. A primeira delas é que é preciso diferenciar entre o sócio puramente capitalista, que põe dinheiro no nosso negócio, e o sócio com o qual compartilharemos o capital e o trabalho. Os primeiros talvez sejam necessários. No segundo caso, é preciso muita prudência, porque é a eles que devemos boa parte dos empreendimentos que não deram certo. A questão é que o sócio, regra geral, é um meio barato de obter recursos: dinheiro e ajuda para arrancar. Isto é um erro, porque esse recurso é barato somente num primeiro momento. A longo prazo, o custo de um sócio é semelhante ao de um crédito a longo prazo a uma taxa de 22%. Devo dizer que tive sócios e dei-me bem com eles. Com base nisso, deixo aqui a seguinte advertência: um sócio permite-nos sobreviver por muitos anos somente se nossos valores éticos estiverem alinhados com os dele. Caso contrário, não há associação que perdure mais de sete anos. Quando surgem as divergências, porque elas sempre surgem, a harmonia de valores permite o diálogo em clima de confiança e de generosidade. No meu caso em especial, não fosse por isso, isto é, por valores semelhantes e uma imensa confiança, não poderia neste momento orgulhar-me de ter conservado (e ainda conservo) uma boa relação com meus sócios há 11 anos.

E quanto ao eterno problema do financiamento?
O problema não é o financiamento, porque para boas ideias há quase sempre dinheiro disponível, principalmente no actual momento, em que os capitais procuram febrilmente novas oportunidades. O sector de imóveis e a bolsa não propiciarão muitas alegrias, mas não faltam capitais sedentos de oportunidades. A dificuldade de financiamento é, na realidade, sintoma de que a ideia do negócio não está suficientemente madura ainda, não é boa, ou o empreendedor não sabe vendê-la ou traduzi-la em valores para os investidores. Pode parecer cruel, mas essa é a realidade.

O que seria mais interessante, procurar um nicho de mercado ou investir em num sector o mais vasto possível? Por quê?
Depende de muitos factores. Contudo, para que a sua pergunta não fique sem resposta, eu diria que um empreendedor com poucos recursos estará em melhor situação em nichos de mercado. Agora, se dispõe de recursos financeiros, a decisão já não é tão simples. Devo dizer que, de acordo com minha experiência, mais importante do que o tamanho do mercado é a sua tendência. Ingressar em um mercado que cresce, quase sempre funciona. Considere as seguintes possibilidades: abrir um videoclube em Espanha ou um negócio imobiliário nos países do leste. A resposta é óbvia. O importante não é o tamanho, e sim o momento do ciclo. Cada sector tem um momento. Com relação ao financiamento de que falávamos anteriormente, não há financiamento melhor do que aquele que é proporcionado pelo seu sector de atividade. Um sector no auge transborda de liquidez. O crédito não demora, é melhor, e as margens são, por assim dizer, melhores também. Tão importante quanto saber investir é saber desinvestir. Para isso, é preciso estar a par do ciclo em que se encontra nosso sector.

Fala-se muito das jornadas imensas de trabalho do empreendedor. É possível ter um negócio e uma vida em família?
Naturalmente, mas num primeiro momento, isto é, nos primeiros anos, ocorre um desequilíbrio significativo. Fazer um negócio arrancar exige um grande esforço durante algum tempo até que os recursos apareçam, bem como a clientela, é preciso que o nome da empresa e sua marca se tornem conhecidos até que haja uma inércia que permita substituir a força bruta do empreendedor por uma velocidade de cruzeiro resultante dos nossos sucessos. Mas até chegar aí, essa história de que é possível atingir um nível de equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal é falsa. Empreender de uma forma séria exige do indivíduo muitas renúncias a muitas coisas durante um certo tempo.

Qual a diferença entre empresário e empreendedor?
O empreendedor gosta de criar coisas e colocá-las em funcionamento. O empresário fica satisfeito quando a empresa cresce. São dois personagens diferentes que, às vezes, convivem na mesma pessoa, mas nem sempre isso acontece. É fundamental saber se sou apenas empreendedor, empresário ou ambas as coisas. A resposta determina o foco de nossas actividades. Para quem for empreendedor apenas, recomendo que saiba quando delegar o seu negócio, transferindo-o para as mãos de alguém que saiba fazê-lo crescer, embora tenha sido o empreendedor o seu fundador. É preciso cortar o cordão umbilical e reconhecer que não sou o indivíduo mais adequado para a etapa seguinte. Quem é só empresário terá mais negócios a comprar do que a inventar. E quem tiver a sorte de ser as duas coisas, desfrutará do seu empreendimento criando e fazendo-o crescer conforme achar melhor.

Quais os primeiros sintomas de que um negócio vai mal?
Prejuízos. O primeiro sintoma aparece quando os lucros ou as vendas começam a cair. Esses são os primeiros indicadores. Contudo, o importante é que essas coisas não ocorram de um momento para o outro. Quando se monta um negócio, ou quando o negócio já está em funcionamento e as coisas não caminham conforme se esperava, há sintomas suficientes para que se perceba o que está a acontecer com antecedência. O problema é que é preciso ter humildade e jogo de cintura para admitir o que está a acontecer, procurando consertar rapidamente a situação. Warren Buffet disse certa vez que ele não acertava tanto como os outros investidores, a diferença é que ele corrigia seus erros mais rapidamente.

Quais são os ingredientes principais do fracasso e o que se deve fazer para evitá-los?
São vários. Em O livro negro do empreendedor, aponto 14.
Eles estão agrupados em cinco grandes temas: natureza da pessoa que empreende e a sua capacidade de enfrentar temporais; ideia do negócio, que não é tão importante quanto a forma sob a qual se apresenta ao cliente (é o que chamo de forma da ideia), isto é, como fonte de valor ou como modelo de negócio que abriga a ideia; sócios (sobre isso já conversamos); sector de actividade escolhido e grau de experiência nele. Por fim, gestão do conhecimento, que é onde se apega boa parte dos empreendedores que sobrevive ao primeiro ano de existência do seu negócio.

(fonte: Universia-Knowledge@Wharton)

Posted by ... Unknown às 18:21
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