A obsessão de Alvin Toffler é escarafunchar pistas sobre o futuro. Durante mais de 30 anos, notabilizou-se pelo sucesso que obteve nas suas previsões. Toffler vislumbrou um novo e acelerado ritmo de vida enquanto o mundo cantava baladas inocentes, em meados da década de 60. As pessoas seriam confrontadas com o que chamou “choque do futuro”, termo que serviu como título para seu primeiro livro, publicado em 1970, que alanvancou uma série de fenómenos hoje corriqueiros: a profusão dos conceitos descartáveis, uma avalanche de informações cada vez mais acessíveis, o uso de computadores pessoais, na altura enormes engenhocas restritas a universidades e grandes corporações. Em 1980, A Terceira Vaga propagou pelos quatro cantos a teoria que divide a historia em três ondas de mudança – a agrícola, a industrial e, enfim, a tecnológica.
Toffler vê o prenúncio de uma quarta vaga nos actuais avanços da biotecnologia. Quando traça prognósticos, discorre sobre ciência, geopolítica ou negócios com a mesma desenvoltura. A sua trajectória é quase tão eclética quanto seu discurso. O primeiro emprego de Toffler, quando ainda era adolescente, foi como operário na fundição de uma indústria automobilística. Mais tarde, graduou-se em letras e literatura e iniciou os estudos de fenómenos sociais. Hoje, divide-se entre o trabalho de consultor de empresas e de órgãos do governo americano, como a NASA.
Qual será a quarta vaga?
Hoje vivemos a última parte da terceira vaga – um rápido e revolucionário desenvolvimento da biologia e a sua convergência com a tecnologia da informação. Até agora a revolução biológica dependeu da tecnologia, sem a qual a investigação não seria possível. Mas daqui para a frente os avanços da biologia serão determinantes para desbravar fronteiras tecnológicas. A modificação de algumas estruturas biológicas em seres poderá permitir a preparação para o espaço. Só então embarcaremos realmente na quarta vaga – vamos considerar o espaço mais seriamente e começaremos a colonizá-lo.
O que fez o senhor chegar a essa conclusão?
A convergência entre a tecnologia da informação e a biologia já está a acontecer. Apercebe-se nos títulos dos jornais todos os dias. Os avanços em relação ao espaço, no entanto, não se tornam em noticia tão frequentemente. Embora poucos saibam, caminhamos para uma revolução neste campo. Eu e Heidi, a minha mulher, participamos num grupo de estudos na NASA, para investigar os efeitos da ausência de gravidade nos astronautas e realizar experiências biológicas que terão um impacto significante na medicina. Suponha que apanha uma gripe e vai ao médico. Ele pode tirar uma amostra do vírus para fazer testes em laboratório. Mas jamais poderá estudar precisamente as suas reacções e determinados estímulos. O microorganismo não reage da mesma maneira fora do nosso corpo. Porque dentro do corpo a célula é tridimensional. Quanto a retira, a gravidade torna-a espalmada como uma panqueca. O vírus no espaço, no entanto, continua tridimensional.
Os computadores actuais executam tarefas impensáveis há até poucos anos. Em 1997, o Deep Blue, da IBM, venceu o campeão russo Gary Kasparov numa partida de xadrez. Já chegamos ao auge de desenvolvimento tecnológico?
Os computadores que conhecemos hoje são como as primitivas ferramentas de pedra de há 10 mil anos atrás. A nanotecnologia está a desbravar maneirasformas de processar informações em espaços tão minúsculos que conseguiremos construir ambientes em que tudo ao redor será inteligente. Estas engenhocas estarão interligadas entre si e com os seres humanos. E serão como poeira. Vamos criar ambientes inteiros em que seremos parte de uma estrutura de informação invisível. Mas ainda somos crianças a caminho dessa mudança. E ninguém sabe quais serão as consequências desse ambiente na sociedade ou nos valores das pessoas. Caminhamos para um período que será cientificamente, tecnologicamente, culturalmente, socialmente excitante, porque haverá um mundo de possibilidades. Mas, ao mesmo tempo, será um ambiente extremamente turbulento. As possibilidades, de um lado, vão resolver problemas. De outro, criarão enormes conflitos éticos sobre suas aplicações.
Qual deverá ser o impacto da biotecnologia nos negócios?
Teremos uma corrida para criar robôs, que poderão realizar procedimentos semelhantes aos do pensamento humano, de uma forma muito mais eficiente do que eles já fazem hoje. Há, na ciência da computação, o teste de Turing. Turing foi um grande pioneiro da informática na Inglaterra da Segunda Guerra Mundial. Ele propôs que, se não consegue perceber a diferença entre a forma como uma máquina e um ser humano respondem a uma mesma situação, para efeito prático, não há diferença. Turing achava que chegaríamos a esse ponto com as máquinas. E ele não é o único. Hoje muitos concordam com essa proposição. Outros dizem que seremos dominados pelas máquinas. Que uma rede de máquinas integradas criará um poder intelectual tão grande que ultrapassará o dos seres humanos. Mas é provável que a grande mudança não esteja relacionada a máquinas, e sim à biologia. E o que aprenderemos com a nova biologia não será apenas como regenerar um rim ou fazer um novo braço. Não será somente a capacidade de clonar pessoas. Seremos capazes de mudar as características genéticas humanas.
As pessoas vão viver mais? Há o risco de um colapso populacional?
É muito provável que as pessoas vivam mais no futuro. E a mudança na proporção entre jovens e velhos deve ser algo mais importante do que a evolução do número de pessoas. O número absoluto de pessoas aumentou, mas a taxa de crescimento está diminuindo ano a ano.
O senhor acha que o ciclo das vagas será cada vez mais efémero?
Sim. Não uso a palavra ciclo porque não acho que a história seja cíclica. Mas as vagas, sem dúvida, estão a manifestar-se mais rapidamente. Vivemos uma aceleração da história. E isso tem sérias implicações para o poder mundial, por exemplo. Há a discussão de que a única superpotência global são os Estados Unidos, uma espécie de Roma dos tempos actuais. A razão pela qual essa não é uma boa comparação é que, em 700 A.C., Roma poderia ser uma potência por milhares de anos. A dominação inglesa na Ásia poderia durar séculos. Mas nada dura tanto hoje. Até as recessões vêm e vão mais rapidamente. E por isso parece improvável que qualquer nação mantenha uma posição de domínio por muito tempo.
A premissa da teoria das vagas não era justamente a de que a história parece seguir determinados padrões? A ideia de que a história se repete é um disparate?
Não acredito que a história seja uma linha recta. Mas os factos também não se repetem literalmente de tempos em tempos. Não vamos voltar para a Idade Media, por exemplo. Vejo a história como uma espiral. Pode estar numa posição agora. E depois noutra oposta. Em seguida, volta a uma posição similar, mas numa outra fase. Voltemos à comparação entre Roma e os Estados Unidos, dois grandes centros económicos e culturais de épocas diversas. Em Roma, não tinha uma sociedade globalmente integrada. Não havia uma rede mundial como a internet que pudesse rapidamente espalhar características culturais de uma determinada localidade para outra. Alguns aspectos da história repetem-se, mas num estágio diferente.
O senhor já foi uma vítima do choque do futuro?
Sim. Certamente. Pergunte à minha mulher. Temos sentido isso mais do que nunca. O choque do futuro é a necessidade de tomar decisões tão rapidamente que essa velocidade interfere na capacidade de fazer escolhas cuidadosas. Muitos dizem: atire primeiro, aponte depois. Penso que isso está incorreto.
Essa premissa tem adeptos no mundo dos negócios. É uma postura sustentável?
Há uma noção hoje de que o sucesso nos negócios depende exclusivamente da flexibilidade e da capacidade de adaptação. Se não pensa nos passos que dará em seguida, perde o controle do próprio destino. É como se fosse a um aeroporto e deixasse a multidão empurra-lo para uma sala de embarque qualquer. A multidão escolhe, por exemplo, que vvai para o Texas. Se não se importa com o destino da sua companhia, tudo bem. Ao contrário, necessiatrá de uma estratégia. A multidão vai pressioná-lo? Sim. Mas é possível desenvolver estratégias novas e um ambiente que seja receptivo a constantes revisões de rumo.
As pessoas serão mais cépticas no futuro?
Elas deverão ser mais cépticas. Há muitas pessoas, mesmo as inteligentes, que caíram em modismos nas últimas décadas. Numa semana era reengenharia, na seguinte, qualidade, e na outra, qualquer outra coisa. E as pessoas tendem a querer estar na próxima onda. Ninguém deveria fazer parte da multidão e ser como os lemingues, pequenos roedores do hemisfério norte que inexplicavelmente seguem uns aos outros e pulam de despenhadeiros juntos. Os executivos deveriam pensar independentemente e não aceitar modismos. Os consultores e gurus comercializaram modismos. As companhias são frequentemente mais diferentes do que iguais. Por isso sou céptico em relação a cinco regras para isso, sete regras para aquilo... A massificação de conceitos fez algum sentido na segunda vaga. À medida que evoluímos para uma sociedade e uma economia cada vez mais desmassificadas, essas regras perdem o sentido.
Afinal, de tudo o que se vê por aí, é possível distinguir as regras de negócios que valerão nos próximos anos?
Por que você não me pergunta que acções comprar?
Se o senhor pudesse me dizer, seria óptimo!
Não compre acções. Acho que assistiremos a mudanças em todo o nosso pensamento económico. Eu e minha mulher estamos a estudar o assunto nos últimos tempos. A maioria das regras de economia é cada vez mais obsoleta. É preciso criar novas teorias económicas para a sociedade emergente. Os modelos actuais foram desenhados há mais de 100 anos por economistas capitalistas e marxistas. Eles analisaram a nova economia do tempo deles. E era a economia industrial – produção em massa, media de massa, distribuição e consumo de massa. E hoje a sociedade caminha na direcção oposta. Falamos em “desmassificação” da produção de consumo, enfim, na dissolução de toda a estrutura de massa que a industrialização criou. Precisamos rever a escala de nossa economia. Não podemos confiar no nosso pensamento económico actual, especialmente no macroeconómico.
O senhor já disse que no futuro não haverá distinção entre empresas grandes e pequenas, mas entre rápidas e lentas. Só as rápidas sobreviverão. Qual é o futuro das grandes corporações, que surgiram no início da industrialização, num contexto de mudanças constantes?
Acho que ainda as chamaremos de corporações, e a relevância delas será a mesma. Mas a estrutura organizacional será bem diferente. Nos últimos dez anos, essas companhias passaram por uma fase intensa de terceirização de actividades para enxugar parte do peso das estruturas monolíticas que foram eficientes na era industrial, na economia da segunda vaga. Em 1961, fiz um relatório para a IBM sobre o impacto do computador na organização da sociedade e escrevi sobre a forma como as novas tecnologias podem-nos ajudar a gerir organizações mais complexas – maiores e mais velozes – com eficiência. Com a terceirização e a ajuda da tecnologia, as empresas estão a aproximar-se de modelo de um banco de investimentos. Concordo que é difícil gerir uma rede de prestadores de serviços e manter a qualidade. Mas teremos de aperfeiçoar os nossos métodos.
É possível ser grande e ágil?
É possível ser grande, ágil e estúpido. Também é possível ser grande e ter algumas unidades de negócio ágeis. Mas não é possível tornar a estrutura de uma grande empresa, como a conhecemos hoje, ágil e eficiente. E agilidade não é um termo absoluto. Não quer dizer que rápida seja uma companhia que anda a 200 km por hora. A rapidez refere-se à relação com consumidores, fornecedores e concorrentes. O importante é ser mais veloz em relação aos outros em todos esses aspectos. A relação entre o tempo, os negócios e a economia é um território amplo e inexplorado.
A sociedade está a evoluir eticamente?
Não posso afirmar que a sociedade de 2003 é mais ou menos ética que a de 1902 ou a de 1602. Não acho que o conceito de ética possua um sentido universal e eterno. Mas um significado diferente em diversas sociedades. Eu, por exemplo, sou produto de um certo momento da história, cresci sob alguns valores e tento avaliar os meus actos, pelo menos até certo grau, em termos éticos. Não sei quantas pessoas no mundo se preocupam com esta questão. É provável que a maioria leve a vida sem muita filosofia. E fico frustrado com o comportamento que considero antiético de lideres políticos e pessoas que deveriam ter uma postura responsável. Eu leio história – leio muito – e não conheço outra passagem da história que seja tão virtuosa, segundo minha própria avaliação. E já houve sociedades que se diziam correctíssimas, baseadas em critérios dos quais discordo radicalmente. O que seria ético para um grego, para quem a escravidão poderia parecer algo natural, provavelmente não será para mim.
O mundo será melhor?
Se será melhor ou pior dependerá da avaliação das nossas crianças no futuro. Não da maneira como nós o avaliamos.
(Fonte: Revista Exame - brasil - de 15 de maio de 2003)
terça-feira, 27 de maio de 2008
Posted by ...
Unknown
às
15:00
Categories:
Labels:
entrevista
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário