quinta-feira, 15 de maio de 2008



Muitas vezes, insistimos em tomar decisões guiados pela intuição, mesmo que elas contrariem as regras do bom senso. “Não interessa”, retrucamos, “é isso o que eu quero e pronto!” No fim das contas, é isso mesmo: Agir baseado no impulso e normalmente acerta-se.

A tendência de priorizar o instinto no lugar da razão é vista como natural pelo psicólogo e investigador alemão Gerd Gigerenzer. Ele afirma que a intuição é mais potente do que se pensa e que muita gente poderia ser mais feliz se a seguisse com mais frequência.

Director do Departamento de Desenvolvimento Humano do Instituto Max Planck, em Berlim, Alemanha, ele é um dos mais respeitados especialistas em heurística do mundo. Essa disciplina, cujo nome soa tão estranho, investiga as estratégias que adoptamos ao tomar decisões e resolver problemas.

No seu mais recente livro, Gut Feelings – The Intelligence of the Unconscious, explica como e por que decisões baseadas em pouquíssimos dados e guiadas por um certo sexto sentido acabam sendo frequentemente mais acertadas do que as precedidas por uma longa e cuidadosa reflexão.

Depois de analisar diversas experiências comportamentais, conclui que, muitas vezes, informação a mais atrapalha.

“O coração tem razões que a própria razão desconhece”, escreveu o filósofo francês Pascal. Gerd Gigerenzer foi atrás das razões do coração e descobriu que elas nada mais são que decisões tomadas por nosso inconsciente antes de nós mesmos, usando poucas, mas importantes, informações-chave.

O instinto é uma espécie de atalho tomado pelo cérebro sem que nos apercebamos. O psicólogo vê na intuição um mecanismo tão importante quanto o pensamento analítico. Segundo ele, se exercitarmos nossos instintos, podemos dar-nos conta de que o caminho mais curto e simples, em muitas situações, é também é melhor.

O que são decisões instintivas?
São as baseadas na intuição, que é definida por três características: vem rapidamente à consciência, não entendemos por que surge e é forte o suficiente para nos fazer agir. Sejam intuições sobre amigos ou que nos guiam quando praticamos desporto, escolhemos uma pasta de dentes ou nos apaixonamos – mas não sabemos o porquê. Sentimentos instintivos dirigem muitas de nossas decisões. Sem eles, na verdade, tomaríamos poucas decisões. Porque muitas delas são inconscientes.

No livro, usa muito o termo heurística. O que é isso?
É uma regra geral. É uma estratégia de decisões que utiliza poucas informações. O que se sabe há muito tempo é que as decisões humanas frequentemente se baseiam num único motivo, que não é consciente, é intuitivo. E pode ser o motivo pelo qual o adolescente só usa ténis de uma marca específica – não por causa de sua qualidade, mas porque seus amigos também usam. Ou o que justifica a fama de uma estrela pop, cuja música não é especialmente boa, mas que todo a gente conhece. Muitas de nossas decisões são baseadas numa quota surpreendentemente pequena de análises. E às vezes isso é uma vantagem.

Qual a novidade nas descobertas recentes sobre o tema?
O que a psicologia acreditava até há pouco tempo é que essas decisões intuitivas, baseadas em poucas informações eram, na maioria das vezes, falsas. E que as pessoas têm mais chances de acertar quando pesam todos os prós e contras antes de decidir. É o modelo clássico de tomar decisões. Acho que nós fomos os primeiros aqui, em Berlim, a mostrar que, em determinadas ocasiões, acertamos mais quando decidimos baseados num único e bom motivo do que quando pesamos prós e contras. E isso foi uma grande surpresa. É importante que consigamos mostrar isso analiticamente, que esse tipo de intuição pode, sim, ser melhor do que o pensamento racional.

Existe contradição entre lógica e intuição?
Não. Acho que precisamos de ambas. É um erro classificar a intuição de instrumento de segunda classe. Assim como é um erro dizer que a pessoa só deve acreditar nos seus instintos e jamais pensar muito antes de agir. São posições extremas e não muito adequadas. O interessante é entender que reflectimos, conversamos conscientemente e temos, ao mesmo tempo, um sentimento pelo próximo que é inconsciente. E as duas coisas são importantes, existem, mas muitas vezes não conseguimos definir o que se passa. Como quando uma pessoa me agrada e eu não sei bem por quê. Especialistas sabem disso muito bem, assim como jogadores de futebol e beisebol, pianistas, maestros. Eles sabem que podem fazer algo muito bem, mas não conseguem dizer o porquê. Eles simplesmente podem.

Muitas vezes a intuição é mais eficiente?
Sim. Como no exemplo que uso no meu livro, em que o desempenho de jogadores de beisebol experientes cai quando passam a calcular racionalmente o trajeto que têm de percorrer para atingir a bola. Descobrimos, então, que não é certa a teoria de que fornecer às pessoas mais tempo e mais informações para resolver um problema traz a melhoria de resultados. No caso do jogador iniciante, essa estratégia funciona, mas para o experiente, não. Então, temos que entender que muito do que sabemos está no inconsciente – assim como as estratégias para decidir várias coisas. E que isso não é necessariamente um dom de segunda categoria. Em muitas ocasiões, é um mecanismo mais efectivo que a decisão consciente. Temos que aprender a reconhecer o momento em que a reflexão consciente é vantajosa e quando é melhor confiar no instinto. Nenhum deles é melhor que o outro. Quero trazer a intuição de volta ao patamar de importância que tinha antigamente, quando era tão valiosa quanto a reflexão.

O senhor escreve que a intuição é considerada uma característica feminina – o que tem a ver com a depreciação vigente em nossa sociedade tanto em relação à mulher como em relação à intuição.
Antigamente, a intuição era a melhor maneira de chegar ao conhecimento. Não tinha nada a ver com mulheres, mas com anjos e seres sobrenaturais. E, até há pouco tempo, muitos filósofos pensavam poder vislumbrar a verdade na matemática e nas questões morais de modo simples e directo, através da intuição. E, então, temos essa história de que a intuição é associada à mulher e, ao mesmo tempo, tida como algo menor. Por muitos séculos, a ratio, razão, tem sido considerada superior à intuição. O pensamento está acima da intuição, o homem está acima da mulher. É por isso que as mulheres pensam que têm melhor intuição que os homens e os homens acham que as mulheres têm melhor intuição. Mas a intuição permanece uma coisa de segunda categoria, percebe? E isso é lamentável.

Mas as mulheres são ou não são mais intuitivas?
Experiências que realizamos indicam que a intuição das mulheres é melhor que a dos homens, mas, numa grande sondagem que fizemos na Alemanha, ficou claro que a maioria das mulheres acha que os homens têm uma melhor intuição sobre acções da bolsa de valores, e a maioria dos homens também pensa ter melhor intuição que as mulheres nessa área. Mas não há evidência alguma disso. Trata-se da velha história de associar a mulher a seu papel no lar e não fora de casa, como acontece ainda em muitas culturas. As mulheres pensam que são muito melhores em tudo o que está relacionado a situações interpessoais e os homens em tudo o que tem a ver com ciência, dinheiro. Essa percepção está na cabeça das pessoas – e é importante quebrar isso. Porque a verdade é que os homens podem ter boas intuições e as mulheres podem pensar com bastante clareza. Às vezes, muito melhor que os homens.

Até que ponto informação demais atrapalha e traz insatisfação?
Há indícios de que as pessoas mais satisfeitas com as próprias decisões são as que usam mais a intuição. Decidem com base num primeiro motivo ou opção que pareçam bons o suficiente para elas – em vez de esperar ter todas as opções antes de escolher a melhor. É a mesma lógica de quando procuro um programa na TV. Passo por todos os canais e não consigo encontrar nada. Quando me decido, o programa que escolhi já acabou. Eu nunca consigo me satisfazer se tenho sempre essa mentalidade. Então, se eu encontrar algo que me agrade, prefiro me dar por satisfeito, em vez de ficar eternamente com medo de ter perdido algo melhor. Muitas intuições são baseadas neste princípio: escolher uma coisa que acho boa o suficiente para mim. E assim podemos exercitar um pouco de filosofia de vida. Não podemos ter tudo, não podemos sempre ter o melhor. Temos que treinar isso.

De que maneira?
Um exercício simples é ir ao restaurante e escolher uma das primeiras opções do menu, sem procurar demais. É um exercício difícil para muitas pessoas. Porque sempre se pensa que se está perdendo algo que poderia ser melhor. Mas isso conseguimos aprender. O mesmo se aplica à escolha do parceiro. Há muitos homens e muitas mulheres que nunca estão satisfeitos com seus parceiros porque nunca estão certos se não haveria alguém melhor ainda. Claro que sempre existe alguém melhor. Mas, por outro lado, todos têm seus altos e baixos e, em princípio, podemos nos dar por satisfeitos se a pessoa de quem gostamos é alguém que nos agrada, que nos ama, alguém em quem podemos confiar.

Então, quem leva uma vida mais simples tende a ser mais feliz?
Pode ser, dependendo do que você quer dizer com “ser mais feliz”. Aqueles que não têm tantas opções, que não são socializados dessa forma – de buscar sempre o melhor em tudo –, são mais felizes com as decisões que tomam e com as coisas que têm.

Que truques usa na sua vida pessoal para decidir mais facilmente, sem levar em conta informações a mais e sem cair no medo de errar?
Quando vou a um restaurante, nem abro o menu. Pergunto ao empregado o que ele comeria, e não o que me recomendaria – que é diferente. Ou, quando estou a viajar, peço o mesmo prato que meu cicerone porque, se fosse perguntar o que me recomendaria, ele começaria a pensar demais e indicaria algo que acha que um alemão deve gostar. Existem muitas maneiras de chegar rapidamente a boas decisões sem ter que analisar tudo. Em inúmeras situações. Muitas vezes, as mulheres levam um tempo enorme para decidir que roupa vestir. É só olhar o armário e pegar a primeira coisa que parece ser boa o suficiente para aquele momento – outra hora ela pode escolher outra roupa. E, ao fazer esses exercícios, vamos perdendo o eterno medo de ter deixado passar algo que poderia ser ainda melhor.

(fonte: REVISTA BONS FLÚIDOS - Texto: Marcio Damasceno, de Berlim - Foto: Fred Scorzzo)

Posted by ... Unknown às 12:49
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