Em O Gênio do Marketing, o sr. aplica a teoria dos lados direito e esquerdo do cérebro, usando os exemplos de Einstein e Picasso aos desafios do marketing, das marcas e da inovação. Por que adotar essa abordagem?
Da visão da Apple à sacada da Zara, da paixão da Nike ao empreendedorismo da Jet-
Blue, passando pela comunidade MySpace e pela emoção da [marca de lingeries britânica] Agent Provocateur [famosa por anúncios polêmicos], as marcas líderes de hoje pensam e agem de modo diferente.
Entender o consumidor e ser criativo são fatores importantes, mas eles devem ser combinados com o rigor analítico e comercial que determina a estratégia, a inovação e o crescimento lucrativo. A genialidade nos negócios atualmente reside em solucionar alguns paradoxos: a capacidade de se conectar com os ambientes externos e internos; mercados e negócios; clientes e acionistas; criatividade e análise; promessas e realidade; hoje e amanhã. Os principais líderes empresariais e de marketing hoje têm muito que aprender tanto com [o físico Albert] Einstein como com [o pintor Pablo] Picasso. O primeiro começou com o rigor matemático e passou a pensar de modo criativo; o outro, apesar da criatividade “louca”, envolveu-se muito com a teoria das artes plásticas.
Nos últimos anos, os negócios favoreceram uma abordagem altamente analítica, lógica
e medida. Na verdade, nossa obsessão pela precisão do lado esquerdo do cérebro nos levou provavelmente a esquecer a criatividade do lado direito, que nos permite ver o quadro como um todo, estabelecer relações e fazer julgamentos instintivos. Precisamos de ambos: visão ampla e foco disciplinado; criatividade radical e métricas rigorosas sempre reconhecendo que a criação de valor excepcional para os clientes é o único caminho sustentável de gerar retornos superiores para os acionistas. É disso que trata O Gênio do Marketing e também é isso que minha firma de consultoria especializada em inovação estratégica trabalha com marcas como Marks & Spencer, Volkswagen e [a empresa de telecomunicações britânica] O2, em busca de um impacto significativo sobre seu desempenho e seus clientes.
O sr. costuma dizer que muitas empresas andam obcecadas por seus processos internos, ou seja, “como fazer o que fazemos melhor”. Qual é a causa disso?
Empresas demais estão obcecadas por seus processos internos: como fazer o que fazem melhor, como reduzir custos, como automatizar a produção e assim por diante. E não
levam em conta o mundo exterior. Essa preocupação importante, mas limitada, somada à cegueira causada pelos silos funcionais e pelas convenções do setor de atividade, significa que freqüentemente as companhias perdem de vista o que faz mais diferença.
De mesma forma, a obsessão por mais informações, mais análise, mais mensurações e mais processos deixa pouco espaço para a intuição, para a criatividade e para a análise do quadro completo. “Nós buscamos contratar pessoas que dominam planilhas, e não por suas diferentes capacidades e experiências” –essa é a receita para que as organizações caminhem todas para a mesmice, para o incrementalismo e, no final das contas, para a irrelevância.
Pergunte à Kodak, líder no setor de filmes fotográficos por muitas décadas, quem nesses anos todos imaginou que seu mercado desapareceria, engolido pelo mundo digital, liderado por concorrentes como Sony e HP. Essas concorrentes nem estavam na tela do radar, até que foi tarde demais.
Qual a causa disso tudo? Cegueira intelectual, obsessão pelo curto prazo, medo de desafiar a situação dominante, inércia, pura preguiça. As melhores oportunidades e os maiores desafios estão do lado de fora, no mercado. Por isso, o pensamento de marketing tem de estar no coração do processo de tomada de decisões e os profissionais de marketing, no coração do negócio.
A Apple, por exemplo, observou o mercado de música e o jogou no caos, na medida em que novas tecnologias transformaram o modelo do setor e as concorrentes começaram a se rebelar, e os novos formatos tornaram-se rapidamente obsoletos. Assim, a empresa reuniu uma solução inovadora do ponto de vista do hardware e do software –iPod e iTunes– para oferecer, em meio a essa turbulência, um jeito de redefinir a dinâmica do setor com um modelo atraente e lucrativo.
O sr. sugere que as empresas, para que obtenham maior sucesso, devem buscar construir um diálogo com o cliente nos termos dele, no momento e no local que preferir, em vez de insistir em campanhas de massa para empurrar produtos. Como as organizações podem fazer isso?
Uma abordagem de fora para dentro começa com o mercado. No centro do processo de tomada de decisão da empresa deve haver uma estratégia de mercado que defina onde e como competir, e o que fazer para obter sucesso comercial no curto e no longo prazo. Isso requer decisões fundamentais sobre em que mercados se concentrar e como se posicionar dentro deles. São decisões sobre oportunidades e clientes, não sobre ativos e capacidades. Uma marca com enfoque de fora para dentro define o que faz para o cliente, em vez de fazê-lo por fazer. De modo semelhante, a inovação que parte do ambiente externo começa pela redefinição do contexto, antes de analisar produtos e serviços. A comunicação que utiliza esse tipo de abordagem preocupa-se menos com campanhas abrangentes e mais com diálogos iniciados do lado do consumidor. Os canais que partem do ambiente externo deixam de ser simples extensão dos fornecedores e tornam-se agentes de confiança dos clientes. Assim, os relacionamentos passam a ser mais baseados em comunidades do que em transações.
A Amazon, por exemplo, usa sua inteligência e sua criatividade para antecipar e atender às necessidades de cada um dos clientes. Jeff Bezos e seus extraordinários profissionais de marketing não apenas redimensionaram o mercado, reunindo tecnologias virtuais e entrega física, mas também tiraram proveito do poder do consumidor, fundamentalmente fazendo negócios nos termos do cliente, e de modo lucrativo.
Nos próximos cinco anos, observaremos uma essencial mudança dos anúncios convencionais que empurram os produtos e tentam vender a todos a mesma coisa, da mesma forma e ao mesmo tempo– para uma mídia que construirá idéias na mente das pessoas. Esse tipo de posicionamento fará com que a marca esteja sempre pronta quando o consumidor resolver pesquisar e comprar, com o apoio de uma mídia mais interativa, por meio da qual o cliente poderá escolher se conectar nas condições que preferir.
O sr. diz que a maioria de nós, no mundo ocidental, tem tudo de que precisa e, portanto, nossos desejos são mais emocionais. O que isso significa para os profissionais de marketing?
Para a parte do mundo ocidental que já tem suas necessidades atendidas em sua maior parte, os profissionais de marketing precisam trabalhar de maneira mais inteligente, a fim de explorar o que os consumidores gostariam, ou amariam, e não apenas o que necessitam do ponto de vista funcional. Isso requer tecnologias de aprendizado mais sofisticadas, para entender os gatilhos emocionais das pessoas, observar seus comportamentos reais, mudar suas atitudes e percepções. Ao mesmo tempo, implica ter perspicácia, criatividade e consistência para criar soluções.
Não se trata aqui de “vender às pessoas o que elas não querem”, velha acusação que se faz ao marketing, mas de compreender como resolver os problemas dos clientes e
melhorar sua vida. Talvez a maior oportunidade de todas seja atender a chamada “base da pirâmide”, o enorme mercado crescente da China, da Índia, da Rússia e do Brasil. No entanto, isso também demanda perspicácia e criatividade, para criar soluções que sejam relevantes e representem uma resposta efetiva, e não ingenuamente buscar impor os valores ocidentais e a mesmice global.
De acordo com um de seus artigos, os consumidores estão “mais bem informados e menos tolerantes. Já se foi o dia em que nos encaixávamos em um segmento bem definido ou nos identificávamos com a média das pesquisas de mercado”. Diante dessas observações, é possível que exista o que se chama de fidelidade do cliente?
Sim. Os clientes estão procurando marcas (e empresas, produtos e as pessoas representadas por eles) em que possam confiar e se apegar, em um mundo em rápida mudança, confuso e intimidador.
No entanto, essa confiança deve ser conquistada por meio de algo que vá muito além de um banco de dados ou de um programa de CRM [sigla em inglês de gestão do relacionamento com o cliente] voltado para as vendas. As empresas não podem forçar os clientes a ter um relacionamento com elas. Na verdade, as pessoas estão alertas para programas do tipo “pontos que valem prêmios” ou “pontos que valem descontos”. Há lealdade a serviços mais personalizados como os do First Direct, em vez de a grandes bancos como o Barclays. Campanhas de marketing direto que resultam em um telefonema automático informando que você ganhou uma viagem no feriado provavelmente destruiu mais a confiança do que qualquer outra coisa, e é talvez a mais preguiçosa e não-profissional forma de marketing.
As pessoas desenvolvem relacionamentos com pessoas como elas –clientes com clientes, que tenham aspirações semelhantes (portanto, que sejam atraídas por valores de marca similares) e necessidades práticas parecidas (produtos e serviços). Nós naturalmente gravitamos em torno de pessoas parecidas conosco. E, conforme a sociedade se torna mais fragmentada, novos tipos de comunidade surgem, freqüentemente com base em uma questão ou em um interesse particular (por exemplo, bebês, futebol, download de músicas, política). As marcas podem facilitar e não dirigir essas comunidades (Huggies, Coca-Cola, BBC, Private Eye etc.). À medida que as pessoas da comunidade
crescem sendo leais umas às outras, essa lealdade as contamina positivamente também
em relação à marca.
Os neurocientistas descobriram que os consumidores geralmente escolhem que marca comprar no intervalo de 2,6 segundos. Se, portanto, a escolha parece algo tão impulsivo, ainda é possível justificar orçamentos de marketing gigantescos?
O cérebro é algo inacreditavelmente complicado, mas podemos fazer um paralelo de seu funcionamento com o do computador. A memória ROM guarda informação na retaguarda, e essa informação pode ser acessada quando necessária, além de ser acumulada ao longo do tempo. A memória RAM é principalmente um local temporário para a informação, usado como apoio para o trabalho que está sendo feito em determinado momento.
A construção de uma marca, ou seja, o desenvolvimento de uma idéia forte, cuidadosamente posicionada no mercado, relevante para determinados públicos e com crescente reputação positiva, deve ser trabalhada ao longo do tempo na “memória ROM”
dos consumidores. Fazemos isso garantindo que a marca possua forte senso de propósito dos pontos de vista aspiracional e funcional, seja claramente diferenciada em relação aos competidores e tenha relevância e empatia com os clientes.
Chega o momento no corredor do shopping center em que o consumidor precisa fazer uma escolha, não tem jeito. Nós, das empresas, devemos garantir que nossa marca seja rapidamente resgatada de sua “memória ROM”, trazida para “frente”, para a “memória RAM”. Ali ela estará mais bem posicionada para determinar a preferência emocional e o comportamento físico. O que faz com que a mensagem seja facilmente
resgatada é a simplicidade da mensagem, a força da empatia, sua oferta lógica
e emocional. Ela também precisa ser agradável e fácil de gravar.
Há quem diga que o CRM é “perda de tempo e dinheiro”. O que o sr. diz?
Depende do que você faz com o CRM. Instalar um programa de CRM não fará muita diferença em seu negócio se não for acompanhado de muito mais. A Amazon usa o conhecimento sobre o consumidor para aprender sobre os clientes em cada interação, para personalizar as ofertas e a comunicação. A Tesco possui um bem sucedido programa de banco de dados que traça o perfil, compreende e antecipa as necessidades e desejos dos clientes. A British Airways sobreviveu a uma década terrível do setor de aviação por conta da lealdade construída com seus clientes-chave de viagens de negócios. E o valor ao longo da vida desses clientes (com seu potencial de lucro futuro) tende a superar bem os investimentos necessários para gerar tal fidelidade.
Essas iniciativas requerem muito mais que tecnologia; exigem desde uma estratégia e uma segmentação baseadas em relacionamento até mais experiências pessoais. CRM é modelo de negócio, não software.
Que empresas são suas favoritas por conta de suas abordagens de marketing inovadoras e memoráveis?
Primeiro a Nike, porque há uma inacreditável paixão pela excelência no esporte em cada pessoa no World Campus da empresa, em Beaverton, Oregon, Estados Unidos. Phil Knight, atleta apaixonado que se tornou contador e depois profissional de marketing criativo, é o homem que construiu um império de US$ 12 bilhões a partir de praticamente nada.
Depois o Google, porque, em um mundo complexo, os consumidores precisam começar por algum ponto, e muitas atividades de marketing hoje começam com o Google de um cliente. O poder foi transferido para o consumidor, com pouco espaço para campanhas e distribuidores tradicionais.
Também a Jones Soda, porque o fundador desse grande negócio de refrigerantes admite: “Ninguém precisa ou quer essa porcaria... mas todos adoram”. [Fundada em 1987, a fábrica canadense ficou famosa por sua customização radical; usa rótulos criados pelos consumidores que viram itens de colecionador e têm comunidades, e produz sabores exóticos, como “peru” ou “molho de carne”.]
Quais são seus principais conselhos aos profissionais de marketing de hoje?
Eles são os que mais facilmente podem alcançar o novo equilíbrio: conectar clientes e
empresas, abraçar a criatividade e a análise, vislumbrar o futuro e agir no presente. Eles têm naturalmente a perspectiva do ambiente externo e o talento necessário para liderar a organização. As companhias precisam deles e do marketing mais do que nunca, para enfrentarem os desafios da complexidade de mercado e da competição intensa, para serem o vetor criativo e comercial, para incluírem os clientes e a inovação na empresa. É hora de o marketing voltar a ocupar o centro do palco.
(fonte: revista HSM)
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
Posted by ...
Unknown
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11:42
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entrevista
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