O escritor e jornalista americano Thomas Friedman, de 52 anos, é uma das vozes mais influentes do debate público nos Estados Unidos. Ele é titular de uma coluna no jornal The New York Times (que a distribui para mais de 700 publicações ao redor do mundo) e autor de vários livros cujos temas principais são o Médio Oriente e a globalização. A sua obra mais recente, O Mundo É Plano, explica as bases económicas e tecnológicas do salto de desenvolvimento que países como a China e a Índia deram nos últimos anos.
Recebido com algumas críticas, que classificaram de simplista a imagem de um mundo "achatado" pela globalização, mas também eleito o melhor livro de negócios do ano pelo jornal Financial Times, de Londres, O Mundo É Plano já vendeu mais de 1,2 milhões de exemplares.
Dono de um estilo claro e espirituoso tanto na escrita quanto na fala, Friedman diz-se um entusiasta de tudo quanto permita à humanidade "maior comunicação, colaboração e inovação" – muito embora, em alguns campos, adopte a filosofia do "faça o que eu digo, não faça o que eu faço". Ele só recentemente comprou um telemóvel – e o programou para nunca receber chamadas. "Não gosto de ser interrompido enquanto penso", diz.
O que é o "mundo plano"?
É uma nova fase da globalização, iniciada por volta de 2000, em que não apenas as empresas mas também os indivíduos podem actuar no âmbito mundial. Isso tornou-se possível graças a algumas tecnologias revolucionárias – a internet, o telemóvel, a rede de fibra óptica mundial. Elas criaram uma plataforma que permite múltiplas formas de comunicação, colaboração e inovação. Toda a economia mundial apoia-se nessa plataforma, que está a achatar o mundo e a transformar-nos todos em vizinhos.
Qual o impacto dessa nova fase da globalização sobre os indivíduos?
Quando o mundo é plano, é possível inovar sem emigrar. Um brasileiro não precisa ir para Palo Alto ou Boston: ele pode inovar em São Paulo ou Brasília. Os indianos estão a fazer isso. Houve uma época em que a Índia era famosa por exportar engenheiros e investigadores. Hoje, muitos indianos preferem permanecer próximos de sua cultura – comer seus pratos típicos, vestir sua própria roupa, frequentar as festas familiares. Outros tantos ainda preferem trabalhar nos Estados Unidos. Mas isso já não é mais uma necessidade – é uma opção.
A Índia e China são os países mais citados no seu livro. Como eles conseguiram assumir essa posição de vanguarda no mercado internacional?
O que impressiona nesses países é sua habilidade de competir taco a taco, não apenas pelos empregos que os americanos já não desejam – como, por exemplo, as centrais de atendimento telefónico que hoje proliferam na Índia –, mas também pelos empregos que eles querem manter, principalmente na pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia de ponta. É claro que o mesmo pode ser dito de algumas empresas em vários países do mundo – Brasil, México, Israel, Tailândia, Malásia. Mas a extensão com que isso acontece na Índia e na China não tem paralelo em nenhuma outra nação em desenvolvimento. Esses dois países conseguem competir, conectar-se e colaborar no mundo plano.
Qual a importância da educação nesse cenário de competição global?
Enorme. A Índia é um exemplo: depois da independência, decidiu investir na construção de vários Institutos de Tecnologia Indianos (IITs). Essa decisão do primeiro-ministro Nehru possibilitou a formação de dezenas de milhares de engenheiros qualificados, muitos dos quais conseguiram emprego fora do país. Isso representa uma vantagem competitiva. Afinal, o que é tecnologia? O que é, por exemplo, o Google? Ora, o Google é uma série de algoritmos que permitem realizar buscas na internet. É obra de matemáticos, de engenheiros. Essa é a matéria bruta com que se faz a inovação tecnológica.
Apesar de todos os avanços económicos, a China ainda mantém o governo autoritário que herdou do comunismo. O senhor vê perspectivas de mudanças políticas?
Visitei a China regularmente nos últimos quinze anos. E, a cada vez que vou lá, tenho a impressão de que o país ficou mais aberto e plural. A democracia ainda tem um longo caminho a percorrer na China. Mas não tenho dúvida de que as tendências democratizantes que acompanham qualquer mercado livre vão-se manifestar. Pode demorar um pouco, pois é um país muito particular, com 1,3 bilhões de habitantes. Mas o dia virá.
A competição de países emergentes como China e Índia causa ansiedade entre os trabalhadores americanos?
Sim. Gostaria de acreditar que o sucesso de O Mundo É Plano entre os americanos se deve a meus belos olhos castanhos, ou ao estilo incisivo da minha prosa. Mas creio que o motivo real é a angústia difusa dos americanos diante da ascensão de novas potências económicas, particularmente a China. Nos Estados Unidos, a geração dos meus pais teve condições de vida melhores que a geração dos meus avós, e também a certeza de que nós, seus filhos, viveríamos com mais conforto ainda. A minha geração não conta mais com essas certezas e está ávida por entender as forças que produzem tantas mudanças no mundo.
O que um país necessita de fazer para se inserir com eficiência no que o senhor chama de mundo plano?
Friedman – Precisa acertar três fundamentos. Em primeiro lugar, investir em infra-estruturas: banda larga, telemóveis, linhas telefónicas, portos e aeroportos. Não há sentido em viver em um mundo plano se não se consegue conectar a ele. O segundo elemento, de que já falei, é a educação. E, em terceiro lugar, a necessidade de políticas públicas corretas.
Que políticas são essas?
Uma política de impostos que incentive o desenvolvimento e a distribuição da receita, uma boa saúde pública e uma boa rede de segurança social. Também é necessária uma legislação que facilite a vida dos empresários – abrir uma empresa, contratar e demitir funcionários, declarar falência, tudo isso deve ser descomplicado e rápido. Se olhar para as economias que se destacaram nos últimos anos, notará que são aquelas que conseguiram acertar estes três fundamentos: infra-estruturas, educação e políticas públicas.
O senhor pode dar um exemplo?
Friedman – A Irlanda, em apenas vinte anos, conseguiu sair da posição de um dos países mais pobres da Europa e tornar-se o segundo mais rico, em termos de PIB per capita. Fica atrás apenas do Luxemburgo. Como é que os irlandeses fizeram isso? Eles conseguiram acertar a infra-estrutura – em parte, com os fundos da União Europeia –, investiram em educação e acertaram nas políticas públicas – uma boa política de impostos, uma boa rede social e um acordo viável entre governo, empresas e sindicatos. Criaram um ambiente saudável para a inovação.
O governo Bush tem acertado nas políticas públicas de que o senhor fala?
Acerta em alguns pontos, mas erra demais noutros. Os instintos do governo Bush em geral estão certos no que diz respeito ao comércio livre e à desregulamentação do mercado. Mas estão errados na política de impostos, na saúde pública, na segurança social, na protecção ao meio ambiente.
O senhor apóia a idéia da Alca, uma área de livre-comércio para as Américas?
Sem dúvida. Quanto mais flexível e aberta for uma economia, mais competitiva será, e mais capacitada de se adaptar a um mundo que se modifica rapidamente.
Os Estados Unidos, porém, ainda são muito protecionistas em áreas como a agricultura.
Sim, os Estados Unidos mantêm muitas barreiras comerciais – barreiras a mais para o meu gosto. Sou um crítico dessas políticas. Não recebo cartões de Natal dos sindicatos americanos, que fazem pressão para manter o proteccionismo.
O senhor também critica Bush por ter criado uma imagem mais "fechada" dos Estados Unidos.
Sim. Sou contra os muros em geral – sejam eles erguidos por insegurança económica, como no caso da protecção aos produtos agrícolas americanos, ou por insegurança geopolítica. Na última categoria, estão os muros erguidos para conter o terrorismo depois dos atentados de 11 de setembro. É verdade que alguns desses muros são necessários e inevitáveis. Mas é preciso examiná-los com cuidado. Precisamos mais de filtros do que de muros. Devemos impedir os terroristas de entrar.
Então o mundo plano também abre mais oportunidades para os terroristas?
Infelizmente, sim. O mundo é plano para todos: para a IBM e para a Al Qaeda.
Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, o mundo não estaria mais fechado para os grupos terroristas?
Não, eu diria o contrário: está mais aberto. Isso ocorre porque a plataforma de comunicações internacionais do mundo plano está cada vez mais poderosa. Osama bin Laden até pode estar com problemas – ele talvez esteja isolado em alguma caverna. Isso não ajuda muito: todas as pequenas organizações terroristas ainda estão aí, a usar a internet e as outras tecnologias de comunicação cada vez mais rápidas. O resultado é que a Al Qaeda, como organização global, está debilitada, mas as pequenas células terroristas estão mais perigosas do que nunca.
Como será possível reverter o ressentimento que existe em muitos países árabes em relação à economia global?
No fundo, só há uma maneira de se acabar com o ressentimento: fazendo com que as pessoas tenham sucesso. Na América Latina, também há muito ressentimento contra os Estados Unidos. É algo que emana da inveja e da humilhação. Para superar isso, é preciso preparar as pessoas para que possam competir e vencer no mundo plano. Eu quero que todos sejam ganhadores no mercado internacional. Mas isso é algo que cada país tem de resolver por conta própria. Eu não posso curar a humilhação dos outros.
Países fundamentalistas serão capazes de superar esse ressentimento?
Talvez. Muitos desses países vivem simultaneamente sob uma bênção e uma maldição: a riqueza de petróleo. Se o preço do barril de petróleo baixasse para 10 dólares no mercado internacional, essas sociedades seriam forçadas a se abrir, a educar os seus filhos para que possam competir e a colaborar no mercado internacional com os jovens de Taiwan ou da Coreia do Sul.
O que o senhor pensa dos activistas que protestam contra a globalização?
Bem, essas pessoas são quase sempre bem-intencionadas. Esse pessoal que se reúne no Fórum Social em... Como é o nome daquela cidade brasileira?
Porto Alegre.
Sim, Porto Alegre. Creio que o pessoal que se reúne lá sinceramente preocupa-se com os impactos negativos da globalização. Mas eles não entendem o seu lado positivo. É por isso que eu os chamo de "Coalização para manter os pobres pobres". Não é por acaso que nos últimos anos, mais pessoas saíram da pobreza na Índia e na China, graças a políticas globalizantes, do que em qualquer época anterior da história. Há apenas um país no mundo que pôs em prática os princípios advogados pelo fórum de Porto Alegre: a Coreia do Norte dictatorial. Nenhuma globalização, nenhum comércio, nenhum telemóvel – nada. Uma tragédia completa. Aliás, quero lançar um desafio ao pessoal de Porto Alegre. Se eles realmente se importam com os pobres, deveriam fazer uma manifestação bloqueando a entrada da embaixada do Zimbabué, em Brasília. Pois o Zimbabué tem hoje um governo corrupto que empobrece seu próprio povo – e já está a fazer isso há mais de vinte anos. O modo de conter a pobreza no Zimbabué não é com menos, mas com mais globalização, e com um governo honesto e eficiente.
(fonte: revista veja. O mundo é plano está publicado em Portugal pela Actual Editora)
quarta-feira, 19 de março de 2008
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15:00
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