quarta-feira, 2 de julho de 2008



Publicamos uma série de artigos de Peter Drucker na publicação Harvard Business Review ao longo de mais de 40 anos. São ensaios práticos, fundamentados em ideias com o propósito de por os seus leitores a pensar e a antecipar as grandes tendências da gestão e da economia ao longo do século XX.

A teoria do negócio

Publicado em setembro-outubro de 1994

A raiz de praticamente todas as crises [empresariais] não reside no facto de que as coisas são mal feitas. Ou sequer, no facto de que esteja a ser feita a coisa errada. Na maioria dos casos a coisa certa é feita - mas de um modo infrutífero. Qual a razão do aparente paradoxo? As noções sobre as quais a organização foi erguida e é gerida, já não condizem com a realidade. Falo das noções que determinam o comportamento da organização, ditam as decisões sobre o que ou não fazer e definem o que ela considera significante em termos de resultados. São noções sobre o mercado. Noções sobre a identificação de clientes e concorrentes, sobre seus valores e comportamento. São noções sobre a tecnologia e a sua dinâmica, sobre pontos fortes e fracos da empresa. São noções sobre aquilo que a empresa faz para ganhar dinheiro. São o que chamo de teoria do negócio (...).

Sempre que uma grande organização enfrenta problemas - sobretudo se registou sucesso durante muitos anos –a morosidade, o comodismo, a arrogância e a burocracia desmedida são identificadas como as culpadas. Explicação plausível? Sim. Mas raramente relevante ou correcta (...).

Durante 70 anos, [a teoria do negócio da General Motors] foi como um truque mágico. Até nas profundezas da Depressão a GM nunca registou prejuízos, nem deixou de conquistar mercado. Mas, no final da década de 1970, as suas noções sobre o mercado e a produção perderam a validade. O mercado fragmentava-se em segmentos altamente voláteis ditados pelo "estilo de vida". O rendimento tornou-se um de vários factores actuantes na decisão de consumo, e deixou de ser o único factor. Paralelamente, os avanços tecnológicos viabilizaram a produção em pequena escala. Tornou lotes pequenos e a variação em modelos menos onerosa e mais rentável do que lotes grandes de produtos uniformes.

A GM sabia disso, mas não acreditava no que via (o sindicato até hoje não crê). O que fez foi tentar remendar a situação. Manteve as divisões então vigentes, segmentadas segundo o rendimento, mas fez com que cada uma passasse a ter um "carro para qualquer bolso". Para tentar competir com a economia de baixa escala da produção, automatizou a produção em massa, em alta escala e grandes lotes (perdendo US$ 30 bilhões no processo). Embora ninguém diga, a GM aplicou uma bela dose de energia, esforço e investimento de tempo e dinheiro à empreitada. Só que o remediar serviu apenas para confundir clientes, concessionários, funcionários e gestores de empresa. E, nisso, a GM deixou de lado o verdadeiro mercado para expansão, que já liderava e no qual teria sido quase imbatível: utilitários leves e os minivans (...).

(...) Em geral, procuramos o mago com a varinha de condão para promover a transformação de uma organização. Porém, para estabelecer, manter e restaurar uma teoria não é preciso instalar um Genghis Khan ou um Leonardo da Vinci no comando. Não é questão de genialidade, mas de arregaçar as mangas. Não é questão de astúcia, mas de escrúpulos. Para isso é que um presidente é pago.

Há, com efeito, um bom número de executivos que mudaram a teoria da empresa. O presidente que fez da Merck um dos maiores laboratórios farmacêuticos do mundo - ao focar na investigação e desenvolvimento de medicamentos revolucionários, patenteados e de altas margens - também mudou radicalmente a teoria da empresa. Como? Comprando uma grande distribuidora de genéricos e medicamentos vendidos sem receita. Fez isso sem "crise", enquanto a Merck ia de vento em popa.

Anos atrás, o novo presidente da Sony – o fabricante mais popular de aparelhos electrónicos do mundo - também mudou a teoria do negócio. Comprou um estúdio de cinema em Hollywood e, com isso, deslocou o centro de gravidade da empresa, que de fabricante de hardware em busca de software passou a produtora de software que cria procura para hardware no mercado.

Mas, para cada um desses supostos magos, há dezenas de presidentes igualmente capacitados cuja organização claudica. Não dá para apostar num menino prodígio para injectar vida numa teoria do negócio obsoleta - assim como não dá para depender da magia para sanar outras mazelas sérias. Numa conversa, um desses magos nega veementemente que age com base no carisma, na visão ou, por que não, na distribuição de passes. Começa com um diagnóstico, uma análise. Reconhece que para atingir metas e crescer rápido é preciso repensar seriamente a teoria do negócio. Não encara o fracasso inesperado como resultado da incompetência de um subordinado ou de um acidente, mas como sintoma de uma "falha do sistema". Não assume o crédito pelo sucesso inesperado, mas o trata como um desafio a suas convicções.

Esse indivíduo aceita que a obsolescência da teoria é um mal degenerativo e, a rigor, letal. E conhece, e aceita, um princípio consagrado da medicina, o mais antigo princípio da tomada de decisão eficaz: não é procrastinando que se cura uma doença degenerativa. É agindo - e com resolução.

(fonte: Harvard Business Review)

Posted by ... Unknown às 11:45
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