Resumo
O presente artigo consiste num estudo comparativo que discute a relação existente entre os conceitos de formação de identidade de marca e da criação de associações em paralelo à semântica do discurso verbal-textual. O estudo realizou-se por meio de um levantamento bibliográfico referente às duas áreas de abordagem, procurando identificar conceitos e definições em comum. Apoiado na análise de anúncios de comunicação institucional, o estudo aponta uma reflexão quanto à real contribuição dos textos publicitários, especialmente os de media impressa, focados na comunicação corporativa, em adicionar valor à imagem/percepção de marca.
Apresentação
Este estudo resulta de uma reflexão crítica a cerca da comunicação institucional impressa, especialmente sobre a sua mudança gradativa no estilo de redacção e tematização dos textos. Deixa-se um pouco de lado o uso das técnicas mais convencionais do discurso publicitário como o emprego do "lugar comum", "apelo à autoridade", a linguagem referencial, com foco nas acções e medidas tomadas pela empresa, entre outros, para apresentar uma abordagem mais elaborada de leitura, criando e reinventando diferentes configurações discursivas.
O propósito deste estudo, de maneira sucinta, foi o de identificar nos conceitos teóricos de formação de identidade de marca e redacção publicitária, correlações existentes entre um e outro na comunicação, especialmente na área institucional e discutir a possível contribuição - o eventual alcance crítico - do texto publicitário (e a sua produção de sentido) no valor à marca.
O artigo divide-se em duas partes. A primeira oferece ao leitor um conjunto de informações que vão desde as definições principais sobre os conceitos de marca e valor, segundo a análise de dois importantes teóricos da área, até uma avaliação geral sobre os pontos que definem a identidade corporativa e o seu desenrolar na sociedade. A segunda, um exame sobre as principais características que regem o discurso publicitário, mais especificamente, a redação de anúncios impressos.
Primeira Parte
O conceito de Marca
O conceito, bem como a literatura sobre marcas tem-se expandindo a cada dia. Além de ser um termo muito frequentemente estudado nos últimos anos, tanto por profissionais quanto por académicos das mais diversas áreas afins, "marca" está intrinsecamente ligada ao mundo capitalista e ao seu mecanismo de funcionamento com base na ideologia do consumo. Há uma vasta denominação disponível nas ciências administrativas e humanas que pode ser considerada. Cada autor a delimita, porém, de acordo com o contexto a ser aplicado, seja no campo da gestão administrativa ou na comunicação.
O conceito mais empregado no entanto, é o utilizado em Marketing, desenvolvido pela American Marketing Association (AMA) e citado por Kotler - "Um nome, termo, sinal, símbolo ou combinação dos mesmos, que têm o propósito de identificar bens ou serviços de um vendedor ou grupo de vendedores e de diferenciá-los de concorrentes".
Sob o ponto de vista das organizações, as marcas exercem, pela sua natureza, o diferencial competitivo de mercado. Adoptar o seu uso implica proteger um produto ou serviço contra imitações, criar identidade e diferenciação no ponto-de-venda, estimular a compra repetida, permitir extensões de linhas ou ainda segmentar produtos.
As possibilidades de actuação e influência da marca, porém, dependem directamente da estratégia administrativa e comercial de uma empresa, que controla e define, as características mais adequadas de apresentação no mercado e para a venda do seu negócio.
Muitas vezes, a forma pela qual essa estratégia é conduzida pode gerar atribuições muito além das expectativas e, o seu controle, guiado pela empresa, dependerá do modo como a imagem será assimilada, a abordagem do mercado e concorrência.
Ainda sob o ponto de vista mercadológico e para uma melhor compreensão do tema, destacamos algumas estratégias básicas de utilização da marca:
Marca guarda-chuva - geralmente utilizadas por empresas que actuam em mais de um segmento de mercado. Os produtos que podem compor diferentes linhas e segmentos têm o mesmo nome e, consequentemente, os mesmos atributos de imagem percebidos. A força da marca guarda-chuva pode favorecer lançamentos de produtos, economia de gastos e rentabilidade nas vendas, ao mesmo tempo em que, um ponto negativo qualquer percebido em sua imagem, pode afectar todos os seus dependentes.
Marcas individuais - com identidade própria para cada produto, a estratégia de marcas individuais proporciona à empresa a possibilidade de maior segmentação de mercado, uma vez que cada produto tem sua imagem própria e distintiva, ainda que disputando numa mesma categoria.
Marcas mistas - objectiva personalizar um produto sem abandonar aspectos positivos, especialmente os de credibilidade e confiança, da imagem da sua marca guarda-chuva ou marca mãe.
Extensão de marcas - aplicando a estratégia de extensão, a empresa pretende criar uma transferência de valores da marca de um produto para novos outros que lançar, de características diferentes, ampliando a custo baixo, às opções de oferta no mercado, aproveitados da imagem da "marca-mãe".
Hartman ET AL explica a possibilidade dessa transferência afirmando: "um indivíduo transfere o significado de um objecto aos signos associados a esse objecto que, por sua vez, são transferidos a um novo objecto que possua o mesmo signo" (1990: p. 122). Por conseguinte, as estratégias de marca têm capacidade de deslocar as dimensões perceptíveis do consumidor, de um produto para outro.
Para Clotilde, os consumidores não transferem valores de marca apenas por similaridade (de cores, nomes, slogan). Fazem também e especialmente uma projecção eficiente dos atributos e benefícios da marca que para eles têm valor a partir do princípio que denomina generalização semântica. Por meio dele, compreende-se como o consumidor transforma as suas percepções em conjuntos de significantes capazes de determinar comportamentos e decisões de compra. Junto ao princípio da generalização, considera-se também a propensão do consumidor em transferir aprendizagens acumuladas para novas situações, num acto de adaptação social, mercadológica ou actuação marcaria. E nesse sentido, uma informação prévia ou conceptual acumulada sobre um produto pode facilitar e simplificar a sua avaliação e compra.
Com a generalização semântica, (tema a ser citado também pelo autor Aaker), a imagem apreendida de uma marca invade e positiva os seus produtos dependentes, com ou sem identidade definida, ganham mais associações, incremento.
Marcas múltiplas - têm características e identidade próprias, de pouco vínculo com a imagem da empresa fabricante. Dando um posicionamento específico para cada marca, essa estratégia tem a capacidade de fortalecer a percepção dos produtos, garantindo uma maior penetração à empresa em diferentes mercados.
Extensão de linhas - consiste em novas apresentações, modelos, tamanhos, formatos ou embalagens de um produto já existente, visando ampliação de oferta baseado nas alterações do comportamento de compra e tendências do mercado.
Extensão de imagem - oportunidade de agregar o valor de imagem a novos produtos ou linhas de produtos que ainda não têm um conceito bem definido ou conhecimento pelo público.
Como mencionado anteriormente, uma das funções da marca é a identificação de um produto, ideia ou empresa. Tal identidade confere protecção ao seu objecto quando se torna um nome registado e carrega obrigações legais quanto ao seu uso e formação.
Segundo Souza e Nemer, marcas registadas têm como princípio básico de actuação:
Distinguir os produtos e serviços de uma empresa;
Indicar a fonte ou origem de produtos e serviços;
Representar o valor intrínseco da empresa proprietária da marca registrada e servir como indicativo de qualidade de seus produtos e serviços;
Com relação a esta perspectiva legal acerca das marcas, Clotilde, define uma relação de subordinação entre elas, hierarquizada na forma:
Marcas inventadas - são mais fortes para registo, pois geralmente trazem nomes compostos por palavras novas, sem relação com nenhuma outra palavra que já possua sentido ou carga simbólica;
Marcas arbitrárias - o nome, símbolo criado, estabelece conexão com o objecto que representa mesmo que indirectamente correlacionado. Atrai conceitos e associações já existentes para fazer parte da sua representação. O produto em si não tem relação com esse significado;
Marcas sugestivas - a sua constituição sugere, indica atributos ou características/benefícios do produto;
Marcas descritivas - descreve a natureza do produto/serviço visando facilitar a comunicação com o consumidor;
Marcas genéricas - são nomes generalizados de produtos que possuem uma característica única e assim são chamados ou também de produtos que ao longo do tempo, tiveram seus nomes transformados em sinónimo de categoria e perderam sua propriedade.
A divisão desta hierarquia permite compreender a relevância da criação do nome de marca e todas as similaridades advindas na sua escolha (de ideias, símbolos e conceitos) como agente inicial da formação de imagem.
Valor de Marca
Termo bastante utilizado nos últimos anos em gestão de marketing e áreas afins, "Brand Equity" tornou-se uma constante temática na estrutura das organizações, responsáveis em condensar os seus valores intangíveis transformando-os em activos.
Conforme definido por David AAKER - "Brand Equity" é um conjunto de activos e passivos ligados a uma marca, seu nome e seu símbolo, que se somam ou se subtraem do valor proporcionado por um produto ou serviço para uma empresa e/ou para os consumidores dela. Como constituintes do valor da marca, o autor aponta cinco categorias de activos: lealdade a marca, conhecimento do nome, qualidade percebida, associações à marca em acréscimo à qualidade e outros activos proprietários da marca como patentes e trademarks.
No intuito de se compreender a capacidade e o papel desses activos em construir imagem/identidade a uma empresa e destacando a participação do texto persuasivo como ferramenta nessa construção, abordaremos na próxima fase, a temática dos activos de conhecimento, qualidade e associações de marca, considerando-os elementos-chave no processo de sentido e percepção da marca.
Conhecimento de marca
O conhecimento de marca proporciona reconhecimento e recordação, implica em formar identidade de marca e conecta-la à classe do produto/serviço frente a uma categoria com muitos outros. Para Aaker, o conhecimento envolve um intervalo de sentimentos contínuo, que vai daquele a que uma marca é reconhecida até a crença de que ela é única nas opções do mercado. As fases do conhecimento são distinguidas como Top of Mind, lembrança e reconhecimento da marca.
Antes de atrair conhecimento ou associações, a marca necessita estabelecer o seu nome na mente dos consumidores para gerar vínculo. É o que o autor denomina âncora de associações. Outros dois aspectos relevantes do reconhecimento é proporcionar senso de familiaridade com a marca e oferecer um sinal de presença do fabricante, levando a suposições de que o produto está sendo investido e assim, ser capaz de iniciar o processo de associações. Para atingir o conhecimento, as estratégias que envolvem exposição, repetição e lembrança, estruturam o planeamento de actuação da marca.
Qualidade percebida
Frente às diversidades do mercado, a qualidade percebida é um conhecimento transformado em valor em relação ao produto, determinada pelo reconhecimento e julgamento, critérios que sejam importantes para os consumidores. Um propósito pretendido e um conjunto de alternativas.
O conceito de qualidade difere de uma satisfação ou atitude positiva percebida. Está relacionado a um sentimento geral sobre a marca, baseado em dimensões às quais a marca esteja conectada como características de produto, performance e confiança.
Ainda segundo Aaker, o valor que a qualidade percebida gera à marca está vinculado, de uma maneira resumida, a cinco estratégias de mercado: razão de compra, diferenciação/posição, preço premium, interesse dos canais de distribuição e extensão da marca. Estas estratégias são subordinadas ao critério de qualidade que o consumidor estabelece ao avaliar um produto/serviço. David A Garvem, teórico citado por Aaker, afirma que esse critério é definido por dimensões de atributos relacionados a:
Desempenho, que envolve aspectos operacionais do produto;
Características, que trazem elementos secundários dos produtos e são factores de identificação;
Conformidade com as especificações, de ausência de defeitos, que gera associação de garantia do fabricante pelo que está a ser oferecido;
Confiança, a qualidade de performance do produto e a capacidade de entregar resultados esperados;
Durabilidade;
Disponibilidade de serviços;
Forma e acabamento, referente à aparência ou a sensação que pode imprimir qualidade.
Quando esse critério é aplicado à oferta de serviços, as dimensões de qualidade estendem-se a atributos ligados a competência, atendimento e empatia, porque envolvem a participação de pessoas e a identificação não é fixa no fabricante.
Associações da marca
Relacionados a uma imagem na memória, as associações de marca baseiam-se em experiências e exposições a comunicações, apresentando símbolos, cores, comportamento e estilo de vida absorvidos e interpretados. Assim definido por Aaker: "uma imagem de marca é um conjunto de associações normalmente organizadas de uma forma significativa". Associação e imagem representam as percepções da realidade, de maneira objectiva ou aparente de acordo com as referências e o repertório cultural do consumidor. Desta forma, o posicionamento da marca depende do reflexo pelo qual as pessoas a percebem e também da estratégia da empresa em reflectir o modo como procura ser percebida.
O valor agregado de uma marca é resultante do seu conjunto de associações e o seu significado para as pessoas. Ainda sob a visão de Aaker, as associações contribuem no valor da marca quando:
Ajudam a processar a informação, resumindo fatos e especificações;
São base para diferenciação dos benefícios;
Envolvem atributos que favorecem uma razão específica para compra e uso da marca como credibilidade e confiança;
Fomentam atitudes e sentimentos positivos, transferidos para a marca.
Tipos de associações
Levantado o principal ponto do papel das associações de marca na estrutura do seu posicionamento, avaliaremos as possibilidades de desenvolvimento destas associações -ainda sob a perspectiva do autor - permitindo um panorama de marketing de possíveis situações em que a utilização do texto gera valor. As principais:
Atributos dos produtos: uma selecção de um atributo/benefício do produto, destacando uma característica, entre várias outras, que será seu ponto de atractividade. Esta estratégia é frequentemente utilizada no mercado, uma vez que a capacidade do público em processar mensagens com múltiplos atributos é limitada e pode gerar confusão, inconsistência de conceitos.
Intangíveis: baseadas em questões de superioridade, atribuindo algumas dimensões-chave não ligadas a especificidades do produto, atributos menos concretos, subjectivos, avaliados na concepção do público. Associações desta característica podem utilizar-se de adjectivos e/ou substantivos detentores de carga semântica que remetam a promessa do produto.
Benefícios dos consumidores: associações relacionadas a atributos/benefícios do produto, racionais ou psicológicos. O benefício psicológico geralmente é o mais empregado porque consegue criar uma conexão aos sentimentos que são despertados no acto da compra e experiência com a marca.
Uso/aplicação: a marca tem associação directa à utilização ou aplicação do produto, enfatizando sua imagem a uma das funções que melhor ele realiza, sem, no entanto, descartar as restantes, que também são cumpridas.
Utilizador/consumidor e estilo de vida/personalidade: a marca posiciona-se levando em consideração qualidades e características específicas do seu público. As associações são direccionadas a um segmento de mercado e limitadas à sua avaliação/concepção de realidade.
Criando associações
Compreendendo-se alguns dos tipos de associações de marca existentes no mercado é possível afirmar que estas dependem directa e indirectamente da estratégia de posicionamento da empresa. Directamente porque a empresa define e prioriza os elementos-chave que farão ligação com a imagem da marca, efectivamente realizando esses objectivos através das acções de marketing e comunicação. Indirectamente porque, uma vez comunicando, esses elementos "pré-fabricados" pela empresa serão assimilados pelo público, dependendo da forma, como e em qual situação serão processados, compreendidos e manifestados no comportamento de compra e fidelidade à marca.
Tal processo de concepção e assimilação é denominado por Aaker como caminhos para geração das associações que, quando não expressados de maneira directa, requerem a compreensão de sinais que são usados pelos consumidores para formar as percepções. A qualidade percebida é um exemplo desses sinais. Os consumidores geralmente não têm capacidade de avaliar a qualidade e os benefícios de muitos produtos. Para o autor, eles precisam de sinais, estímulos para definir uma imagem forte de um produto/serviço frente à diversidade. Sinais como nome, símbolo e slogan são considerados os principais responsáveis em despertar atenção e conceber identidade. As ferramentas de comunicação, os transmissores.
Partindo desse pressuposto, retomamos alguns pontos de Clotilde Perez e, sob seu ponto de vista, uma breve análise sobre o conceito da expressividade de marca será feita. Relacionado aos "sinais" de Aaker, porém pautado sob a óptica da produção dos sentidos à qual a autora se fundamenta, a noção de conceito e as formas de expressividade da marca trará uma melhor compreensão dos meios pela qual as associações são constituídas e entre eles, o texto.
A entidade marca
A expressão da marca é necessária para potenciar os seus efeitos de sentido, causar sensações agradáveis, gerar afectividade, emoção e proximidade, uma conexão sentimental, (uma vez que o racional limita-se à performance física de um produto/serviço e perde-se quando não há esse diferencial entre outros), capaz de levar à fidelidade e à crença de valores. Segundo Clotilde PEREZ, "uma marca existe num espaço psicológico, na mente das pessoas, dos consumidores. Consiste numa entidade perceptual, com um conteúdo psíquico previamente definido, mas que é absolutamente dinâmico, orgânico e flexível" (2004: p.47).
Essa expressividade pode ocorrer por meio do seu nome, logotipo, forma e design que representa, embalagem, rótulo, cor, slogan, jingle, personalidade, personagem, funcionários, práticas sociais e diversos outros recursos que podem ou não, serem utilizados, de acordo com o contexto de actuação organizacional e seus objectivos. O intuito final é despertar impressões.
A próxima questão levantada tratará sobre a competência do texto na comunicação e no discurso da publicidade - a sua real possibilidade de se gerar impressões. Algumas definições sobre tipos e gêneros do discurso verbal serão apresentadas, segundo o estudo da Linguística e a visão de Dominique Maingueneau. Objectiva-se compreender a influência que a mensagem textual (o modo, a forma e o contexto em que é lida) pode ter na disseminação (dispersão) de uma ideia, conceito, compreendida a capacidade de gerar sentido. Posteriormente, algumas técnicas presentes na redacção publicitária contemporânea serão mencionadas, demonstrando uma das aplicabilidades do texto na produção de sentidos em favor da imagem de marca.
Segunda Parte
O discurso verbal
O conceito de discurso apresenta um amplo significado, partindo do pressuposto que está relacionado à actividade verbal, a enunciados e usos da linguagem, pode designar tanto um sistema que permite a criação de um conjunto de textos quanto o próprio conjunto de textos produzidos. Limitando-se, porém, à temática deste estudo, podemos afirmar que a noção de discurso se dá como um reflexo da modificação na forma em que se concebe a linguagem. Essa modificação, advinda de influências das ciências humanas, é denominada pragmática, constituída, em sua essência, como uma maneira de apreender a comunicação verbal. Por outras palavras, o próprio discurso.
Para Dominique Maingueneau, professor e importante teórico no âmbito da ciência lingüística, o discurso, em sua ocorrência, apresenta alguns princípios básicos:
Ser uma organização situada para além da frase - não depende de frases para ser formado, mas de uma unidade complexa, submetida a regras de organização em um grupo social determinado, como uma narrativa ou um diálogo;
Ser orientado - desenvolve-se no tempo e é linear, constroi-se em função de um objectivo, sob a perspectiva de um locutor;
Ser uma forma de acção - uma enunciação constitui um acto visando modificar uma situação. Para Maingueneau, "esses actos integram-se num discurso de um determinado género (um panfleto, um telejornal, por exemplo), que visam produzir uma modificação nos destinatários";
Ser interactivo - envolve uma actividade verbal entre pessoas, uma troca com outros enunciadores, implícita ou explícita, supondo a presença de alguém à qual se dirige a enunciação;
Ser contextualizado - o sentido de um enunciado é compreendido pelo seu contexto, que lhe oferece atribuições;
Ser assumido por um sujeito - o discurso remete a uma fonte de referências (um sujeito), e indica atitudes em relação ao que diz e ao seu co-enunciador;
Ser regido por normas - é inserido na actividade verbal e passível à normas, legitimando o exercício da palavra.
Outros dois pontos fundamentais do discurso verbal, e relevantes a este estudo, também são definidos por Maingueneau: Enunciado e Texto. O autor resume a noção de Enunciado como o registro verbal do acontecimento que é a enunciação. A extensão do enunciado, que pode ser de uma frase a um livro, não interfere no seu significado, considerado a unidade elementar da comunicação verbal, sintetizada pelo autor como uma sequência "dotada de sentido e completa".
O texto é uma produção verbal, oral e escrita. Nas palavras do autor: "estruturadas de forma a perdurarem, repetirem-se, circularem longe do seu contexto original". Pode ser heterogéneo, composto de signos linguísticos e icónicos (comum nos anúncios de imprensa escrita).A análise do discurso verbal geralmente é realizada levando-se em conta as categorias que os discursos compõem, que correspondem às necessidades da vida quotidiana. Refletir sobre um texto e o modo como ele é construído, requer compreender o contexto social ao qual ele se insere e para quem (leitor) ele está se dirigindo. Maingueneau afirma que todo o texto pertence a uma categoria de discurso, denominada também de género do discurso. Estas categorias representam o estilo de textos produzidos numa sociedade e variam em função do uso que se faz deles. Alguns exemplos de géneros de discurso são os jornais, conversas, narrativas, sonetos, panfletos, etc. Fazendo uma analogia com o discurso verbal publicitário, é possível aferir que os géneros do discurso são formas de expressão de uma mensagem e objectivam facilitar a decodificação por parte do receptor, utilizando-se de uma linguagem/discurso mais próxima a ele. Com relação ao texto impresso, objecto do nosso estudo, Maingueneau observa-o como uma qualidade que confere maior autonomia do que é dito frente aos leitores. Por ser múltiplo, de carácter idêntico e uniforme, o texto impresso não oferece uma escrita individualizada, ao contrário, é inalterável e fechado, supõe-se um autor, mas a comunicação não é directa, de uma pessoa a outra. Possui aparentemente características simplistas, mas considerando o contexto da expressividade de marca, o texto impresso consegue constituir em si uma imagem independente. Propõe ao leitor um texto que lhe é dirigido, mas não isolado. Não instiga resposta e lhe deixa livre para interpretação.
Na sequência a essa linha de raciocínio e no objectivo de explicar a possível relação de envolvimento que o texto é capaz de gerar com o interlocutor, apresenta-se o conceito de Ethos, na definição do autor: "mesmo quando escrito, um texto é sustentado por uma voz - a de um sujeito situado para além do texto. O Ethos envolve de alguma forma a enunciação, sem estar explícito no enunciado".
Fundamentado nos preceitos da Retórica, o Ethos é um objecto que não está directamente presente no texto, mas nas suas entrelinhas, conferindo, numa instância subjectiva, um tom de autoridade ao que é dito. Esse formato permite ao leitor construir uma representação, identidade do corpo do enunciador que, nas palavras do autor, torna-se um fiador do que é dito.
Um dos aspectos relevantes do Ethos aplicados na publicidade é a sua capacidade de atribuir carácter e corporalidade aos textos por meio do fiador. Essa espécie de percepção de autor transformada em personagem é provida de um conjunto de representações sociais e estereótipos culturais do leitor. Pela sua fala, implícita no texto, o fiador confere uma identidade compatível com o mundo que constrói no seu enunciado. Desse modo, para Maingueneau, o Ethos é um elemento pertencente e evidente nos textos publicitários objectivando "encarnar", por meio da sua própria enunciação, aquilo que propõe evocar.
De posse à reflexão e principais conceitos da análise do discurso (e entre eles, o da publicidade), ainda na concepção de Maingueneau, serão levantadas questões pertinentes à prática dos textos persuasivos e seus efeitos na comunicação.
Num primeiro momento, algumas das principais técnicas que compõem construção de um texto persuasivo serão apresentadas, sob a perspectiva da redacção publicitária. Num segundo momento, pretende-se compreender como se dá a construção do sentido, apresentando alguns dos elementos constituintes do discurso. Com a união desses dois preceitos, técnicas persuasivas e elementos do discurso que geram sentido, presentes na comunicação publicitária, é possível afirmar uma relação de valor entre o texto (no caso, da imprensa escrita) à imagem da marca que ele pretende comunicar.
O discurso deliberativo
O desenvolvimento da publicidade para a compra e venda de produtos ou serviços como estímulo ao consumo, vem aprimorando-se nas últimas décadas em paralelo à necessidade de despertar interesse à compra muito além apenas da informação básica do que se vende. A publicidade tem como objectivo convencer até a compra e utiliza-se de inúmeros recursos, em sua maioria sedutores e subjectivos para esse alcance. Tomando novamente as palavras de Clotilde PEREZ:
"A publicidade é o meio que nos permite ter acesso à mente do consumidor, criar o "stock" perceptual de imagem, símbolos e sensações que passam a definir a entidade perceptual que chamamos de marca. Dentro desse espaço perceptual, podemos criar mundos imaginários, fábulas, sonhos e personagens míticos que, graças às ferramentas publicitárias, fica, associados ao produto e passam a definir a marca".
Nesse processo de convencimento, a publicidade envereda pela persuasão, relacionada ao domínio emotivo. Esta, por sua vez, constrói-se em elementos da Retórica, podendo ser denominados também de amplificadores da força argumentativa de um discurso.
Inspirado no livro II da Arte Retórica, de Aristóteles, a autor de "A Evolução do texto publicitário", João Anzanello Carrascoza, define quatro etapas importantes do discurso delibertativo - Exórdio (introdução), Narração, Provas e Peroração (síntese dos argumentos). Nesta obra, Carrascoza apresenta algumas técnicas de redacção que favorecem o convencimento por meio do texto. Para melhor compreender como funcionam, destacamos algumas das principais delas:
A unicidade do texto - tratar de um anúncio assunto, centralizando o objecto de atenção, como a proposição da venda, para facilitar a apreensão do tema;
A estrutura circular - o texto condiciona à uma conclusão, é fechado e as suas palavras não dão margem à reflexão;
A escolha lexical - uma preocupação no critério de uso de um termo ou palavra que, de acordo com a sua carga semântica, amplia ou atenua um sentido;
As figuras de linguagem - são próprias do discurso aberto. Como têm característica de potenciar a expressividade de uma mensagem são recursos utilizados também no discurso fechado;
As funções de linguagem - das funções de linguagem referencial, emotiva, conectiva, fática, metalinguística, estética ou poética, definidas e classificadas por Roman Jackobson, teórico do ramo da linguística, o texto publicitário bem elaborado faz uso especialmente da conectiva, e em alguns casos, da poética. A conectiva é a mais empregada, por ser centrada no interlocutor, alvo do "aconselhamento" do texto e a poética, por explorar um maior cuidado no efeito das palavras, "embelezando" a estrutura da mensagem;
Os estereótipos - uso de códigos com força representativa e já assimilados pelo público em favor ao apelo do texto;
Apelo à autoridade - citação de algum especialista no assunto, oferecendo credibilidade à informação;
Afirmação e repetição - objectiva forçar a adesão, lembrando e relembrando a proposta do texto.
Rede semântica
Conceptualizar o termo semântico requer um aprofundamento mais claro sobre a análise do discurso verbal tendo, como base a ciência linguística. De maneira geral, segundo Fiorin, a semântica é o estudo do significado ou teoria da significação.
Limitando o termo à concepção textual da publicidade, a semântica é a relação de um discurso que se estabelece por meio de associação de palavras de sentidos próximos, por analogia de significados, isso no caso do discurso verbal.
Na opinião de Carrascoza, a transposição dessas palavras no discurso e no texto resulta um método construtivo, denominado também de "palavra-puxa-palavra". Uma palavra central é como uma espécie de âncora de associações, (lembrando o termo também utilizado por Aaker para expressar uma das formas de associar à marca), para onde palavras com sentidos similares são atraídas, convergindo no texto. Ele observa ainda que o emprego dessa técnica é amplamente utilizado por facilitar a memorização do leitor.
Uma vez que a semântica, no texto publicitário, atrai termos associativos para compor o discurso, é possível considerá-la também, elemento que gera associações e sentido correspondentes à imagem da marca. Se as associações contribuem para fortalecer a temática do texto, como extensão, contribuem também para a imagem do anunciante.
Retomando o aspecto da semântica enquanto geradora de sentidos no texto, faremos alusão aos conceitos relacionados de Fiorin, importante teórico da área.
No livro "Elementos de análise do discurso", o autor apresenta a ideia do percurso gerativo de sentido, aplicado à narrativa textual. Tal percurso divide-se em três níveis, de acordo com a intenção de se fazer compreender o enunciado. Há o nível fundamental, que abriga as categorias presentes na base da construção de um texto e dão sentidos a um conjunto de elementos em nível superficial (inicia o percurso gerativo, procurando identificar os pontos mais abstratos da interpretação no discurso). O nível narrativo que, de maneira geral, compreende quatro fases: a manipulação (um sujeito age sobre outro para levá-lo a querer e/ou dever fazer alguma coisa), a competência (o sujeito da narrativa é dotado de um saber e/ou poder fazer), a performance (uma transformação central da narrativa ocorre) e a sanção (reconhecimento do sujeito que operou a transformação).
E o último nível, o discursivo, os quais elementos abstractos do nível narrativo são revestidos de termos que lhes dão concretização, transformações narrativas temáticas ou figurativas.
Outro ponto interessante que Fiorin aborda no seu livro e relevante a este estudo é o conceito de isotopia. Este conceito aponta para o facto de que as diversas leituras e interpretações que um texto aberto aceita já estão nele inscritas como possibilidade. Isotopia é a ocorrência de um dado traço semântico ao longo do texto que oferece ao leitor um plano de leitura, indicando um modo de ler o texto.
Desse pressuposto podemos aferir que as possíveis interpretações válidas a um texto nada mais são do que pré-definidas pelo próprio autor. Nas palavras de Fiorin: "o texto que admite múltiplas interpretações possui indicadores dessa polissemia. As várias leituras não se fazem a partir do arbítrio do leitor, mas das virtualidades significativas presentes no texto". De forma resumida, as definições do autor permitem reflectir sobre o poder da semântica em direccionar sentidos e conduzir interpretações desejadas ao longo de um texto.
Assumindo essa característica deliberativa adicionada ao potencial de gerar sentido e valor, a técnica da semântica na redação publicitária pode conferir aos textos de imprensa escrita o título de ferramenta de valoração às marcas.
Considerações Finais
De posse à visão conceitual de duas abordagens aparentemente distintas - valor de marca e semântica discursiva - algumas conclusões do estudo podem ser feitas.
Da área relacionada à actuação da marca foi possível concluir que:
as empresas na actualidade preocupam-se em construir valor à sua imagem partindo da ideia que o diferencial do mercado está no apelo emocional;
há diversos tipos de estratégias de uso de marca, capazes de atrair valor, em maior ou menor escala, dependendo do potencial de investimentos da empresa;
as associações correspondem à personalidade da marca. Sentimentos, sensações e impressões que a empresa deseja despertar ao ser lembrada devem estar de alguma forma vinculados a ela. O local e a maneira como esse vínculo é criado é o que determina a força da imagem da empresa. As actividades, o composto de marketing, podem ser uma destas formas, uma vez que o discurso deliberativo também faz parte do seu princípio. O texto publicitário, porém, pode ser mais efectivo na persecução desse objectivo: apropria-se de adjectivos e substantivos que carregam o valor simbólico aspirado, além de poder gerar toda uma narrativa relacionada semanticamente ao mesmo sentido.
Da área de abordagem relacionada ao discurso da publicidade no texto, também concluímos que:
a apreensão da mensagem depende do contexto interpretativo do público. Ela deve ser dirigida e codificada de acordo com os "sectores" da sociedade. Para cada formato em que é transposta, assume uma corporalidade, um tom que é percebido "nas entrelinhas" do anúncio e que também carrega teor simbólico, gerando percepções subjectivas.
os textos publicitários trabalham com a geração de sentidos por meio da semântica no discurso e usufruem a possibilidade de, nesse percurso, associar atributos à imagem de uma empresa. Provavelmente por causa desta constatação é cada vez mais comum os anúncios de imprensa escrita e os que envolvem textos, no geral, assumirem uma abordagem mais envolvente, que motive à reflexão, mesmo que ceda espaço destinado à informação.
Com a intensidade e rapidez que as informações são processadas nos dias de hoje, atrair alguém à leitura requer um trabalho minucioso de adequação e especialmente envolvimento intra-texto. É a oportunidade da redacção publicitária em ganhar méritos de produção qualificada, de literatura, de textos bem construídos, deixando de apelar para o banal e mesmo assim, chamar a atenção. Aproveitar o poder da criação de sentidos do texto e ultrapassar a barreira do "levar ao consumo", agregando valor às empresas e também aos cidadãos.
Fonte: artigo da autoria de Sheila Salina publicado na revista digital comunicação e estratégia)
terça-feira, 24 de junho de 2008
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