Como é que vos surgiu a ideia deste livro com um título tão estranho e que convém dizer correctamente (em inglês) senão dá asneira?
Nasceu com o que temos lido nos últimos seis anos. Foi uma espécie de terapia pessoal, no sentido de descobrirmos algum sentido e organização para um mundo aparentemente tão caótico. Dito de um modo menos 'snob': eu e Kjell tentámos colocar as questões críticas para se perceber a nova economia. E cedo percebemos que tinhamos de embarcar por uma visão holística e não nos deixarmos enredar nos detalhes, como é costume frequente dos académicos. Tentámos criar um mapa (como nos «sites») para os gestores e os quadros poderem tomar decisões mais informadas em função das tendências e das questões essênciais que se levantam.
Mas é mais um livro da indústria dos gurus?
Não acho. Em oposição ao que costumam fazer os gurus norte-americanos, nós analisamos, deliberadamente, as coisas de um modo horizontal...
Horizontal?!
Sim. Procurando relacionar a multitude de coisas que estão a acontecer, cobrindo vários níveis (da sociedade ao indivíduo) e usando exemplos das áreas mais inesperadas. É uma forma 'smorgasbord' de ver a vida e a gestão. 'Smorgasbord' é uma miscelânea sueca de pratos, uma espécie de buffet frio onde se misturam salmão e arenque com enchidos, típico do Natal, por exemplo. Eu e Kjell cremos que coisas muito interessantes podem surgir da intersecção de diferentes tendências, em vez de afunilarmos verticalmente por um dado assunto. O livro típico de gestão minera num dado sítio, enquanto que nós continuamos a andar e a pensar. Encarem-nos como bibliotecários da realidade.
Será que estamos a assistir à emergência de uma galeria europeia de gurus de gestão centrada no Atlântico Norte, com Claus Moller na Dinamarca, Leif Edvinsson com o capital intelectual também aí na Suécia, Arie de Geus, o anglo-holandês, Charles Handy, o irlandês que adoptou Londres, e vocês os dois? Será que a Eurolândia vai ter também a sua própria e próspera indústria dos gurus?
Se eu sou um euroguru? Hum, talvez... (risos) Bom, eu penso que há obviamente a necessidade de uma voz europeia para equilibrar o domínio ideológico norte-americano. A diversidade fertiliza o desenvolvimento. Em segundo lugar, eu acho que nós europeus podemos dar uma perspectiva complementar. As nossas sociedades são, em geral, mais baseadas na confiança. As nossas empresas - sobretudo de pequenos países como a Suécia, a Suíça, a Holanda ou a Finlândia - são mais internacionalistas do que a multinacional americana típica. Finalmente, a descentralização e a coordenação através da socialização das regras e da cultura, mais do que através de controlo e formalismo, são características tradicionais das empresas europeias.
Porquê 'funky' para adjectivar o capitalismo de hoje?
Costumamos conviver com músicos, e provavelmente vem daí a influência, do ritmo que o funky tem. Neste caso, usamos o termo para falar de algo óptimo, excelente, cheio de ritmo, «fixe» - algo obviamente fora do comum. 'Funky' não é economia cinzenta de números - é arte. Os negócios e as empresas não são habitualmente olhadas como algo que deve ser diferente, fora do comum. Mas devem ser - têm de ser.
Estão a gozar connosco quando vão desenterrar Marx ao cemitério de Highgate em Londres para dizer que o trabalhador do conhecimento é o exemplo vivo do objectivo número um do Manifesto Comunista: que o assalariado conseguisse a propriedade dos seus meios de produção?
Não estamos a gozar (risos). Marx estava certo - ainda que só num pormenor. O objectivo de possuir os seus meios de produção está alcançado - numa empresa moderna 70 a 80% dos que lá trabalham usam o seu saber pessoal. E quem é dono dele? Os patrões? Não! Os próprios trabalhadores. Hoje o capital já não é o recurso escasso - pelo contrário, o conhecimento é que é. O poder tem sido transferido paulatinamente dos capitalistas de outrora para os trabalhadores do saber, como os baptizou Peter Drucker. Até o Papa actual escreveu numa Encíclica em 1991 que o factor decisivo hoje é o saber do homem. Mas é claro que isto é apenas potêncial - para o deter de facto tem de saber exercer esse poder. Marx queria os proletários em colectivo a tomar conta dos activos, mas aí não teve sorte - o que vemos hoje é mais propriedade pessoal. Nos Estados Unidos - a terra dita do individualismo e da liberdade pessoal - há, no entanto, um debate aceso, e por vezes na barra dos tribunais, sobre se as pessoas podem trazer o seu saber - que é um «capital» puramente pessoal - para o usar noutras empresas quando se despedem. Como se fosse possível uma lobotomia! Que diria Marx?
Vocês falam de uma terceira revolução do saber - de que se trata?
Em 1455, assistiu-se à primeira com Johannes Gutenberg e com a sua impressão do primeiro livro (a Bíblia). No nosso século, a partir dos anos 20, massificou-se a rádio nascida no século passado e depois a partir dos anos 30 a TV que trouxeram a segunda revolução do conhecimento. Agora por detrás da terceira está a digitalização e a globalização. A digitalização implicou a mudança de uma oferta baseada em pouco saber incorporado e muita palha, para produtos com muito conhecimento e pouca tralha. A globalização aumentou a dispersão do saber - os clientes são globais, os concorrentes também, os fornecedores idem. A maioria das tendências de vanguarda não estão na esquina de Helsínquia nem de Oulu e por isso a Nokia manda 'espiões' sentir o que se passa em Kings Road, em Londres, e na praia de Veneza (do Bay Watch), em Los Angeles. Assim captam sinais. Os produtos são cada vez mais complexos - tornaram-se uma oferta multi-tecnológica. Já reparou no foto-disco da Kodak ou na máquina fotográfica digital da Sony? A diversidade é cada vez mais assumida como benéfica - já reparou que nas empresas do Silicon Valley, as tais 'minorias', como as mulheres, os imigrantes e os jovens, estão sobrerepresentados?
E qual é o preço dessa revolução?
A inovação diminui a durabilidade do saber - o conhecimento é cada vez mais perecível. Temos de tratar o saber como tratamos o leite - temos de o datar, ter em conta o prazo de validade. E este pode ser muito curto. Por consequência, a inovação contínua, quer seja revolucionária ou evolucionista, é uma necessidade. No futuro só há dois tipos de empresas - as velozes e as mortas. Ou andamos depressa a renovar ou somos chutados para o caixote do lixo da história.
Como vê a região nórdica nessa revolução?
O projecto social moderno nasceu aqui - o socio-capitalismo, dizem uns, o capitalismo de rosto humano, dizem outros. A família diversificou-se, os miúdos passaram a ser criados em 'outsourcing', a maioria das mulheres trabalha, etc.. Tentámos tudo. Hoje em dia, de um ponto de vista digital, apenas estamos atrás dos EUA. Somos líderes a nível europeu nas tecnologias de informação, indiscutivelmente. O nosso sistema de ensino é muito forte ao nível primário e secundário, conseguimos produzir gerações atrás de gerações de trabalhadores competentes, bons profissionais - tal como o Japão. O que nos falta é focalizar no que designamos no nosso livro por «competentes» fundamentais - gente como os empreendedores, os livre-pensadores, os génios, chamemos-lhes o que quisermos. Os Nórdicos sempre tiveram uma tradição de empreendedorismo, desde os Vikings até Alfred Nobel e os Wallenbergs. Só temos é de acordar o urso. Mas isso não significa erigir uma meritocracia que liquide a mediocracia. Para se criar uma massa crítica, particularmente num pequeno país, é preciso dar uma oportunidade às massas.
A gestão humanista como vocês dizem - fazendo uma adaptação em inglês no management para humanagement - é a nova moda? O «lado humano» da empresa é outra vez uma abordagem «sexy» depois da reengenharia e do «downsizing»?
No velho mundo, na velha economia, a vantagem competitiva derivava do jurídico, do produto e dos fluxos administrativos, não era? Para isso tinhamos advogados, engenheiros e MBAs. Hoje continua a ser necessário, mas não é suficiente. A economia da alma é o nome do jogo hoje em dia. As pessoas reclamam por líderes que lhes devolvam o sonho. Assistimos a isso nos negócio, na política e na religião. Os gestores humanistas vieram para ficar.
Mas os paranóicos (como designou Andy Grove) do chamado 'tempo Internet' e do 'ser digital' não venceram? Essa paranóia tecnológica não é contraditória com a visão humanista?
Meu caro, nós vivemos nesse mundo paradoxal - não espere outra coisa. Mas, estou de acordo, temos de deitar para trás essa paranóia digitalista. Gradualmente, as empresas de sucesso perceberão, por exemplo, que o comércio electrónico deve ser mais propriamente um comércio emocional, se quisermos fazer um trocadilho, em inglês, com o «e-commerce»: em vez de electrónico fale de emocional. Para vencer, temos de atrair e conservar os clientes e colegas emocionais, não os racionais.
O capitalismo está, então, a reinventar-se? Ou estamos a caminhar para uma nova sociedade?
Primeiro que tudo, há diversos tipos de capitalismo. O que gerará algum grau de competição interna, ainda que falte o estímulo de um competidor real. Há, de facto, uma enorme necessidade de inovação ideológica e institucional e não só tecnológica. Onde é que estão os Thomas Jefferson e os Marx de hoje? Francis Fukuyama está redondamente enganado - a história não acabou. O próprio capitalismo está a transformar-se por dentro -o poder foi transferido dos vendedores para os compradores, dos capitalistas (donos do capital) para os donos do saber. Estas são duas mudanças enormes. Serão coveiras de alguma coisa?
Qual é o seu ideal de empresa?
O de um conterrâneo - Percy Bernavick. O seu pai tinha uma pequena gráfica em Uddevalla, na costa ocidental da Suécia, com não mais de 12 pessoas. Percy ía lá depois da escola e isso marcou-o para toda a vida. Quando ficou à frente da ABB conseguiu «partí-la» em 5000 unidades com não mais de 50 empregados cada uma. 1400 delas transformaram-se em empresas autónomas no seio da federação ABB.
E deverão ser centenárias ou mesmo mais, como reclama Arie de Geus elogiando as empresas que descobriram a fonte da longevidade?
Sim e não. Não há nada de errado em querer ser velhinho. Mas o que eu quero dizer é que em vez de querer basear à força a economia em empresas que perdurem, é preferível assentá-la primordialmente em ideias fortes e em constelações de pessoas talentosas. Nós dizemos que a empresa pode ser como uma profissão de desgaste rápido - como no desporto ou um artista. Os sítios de maior dinamismo na inovação não são os de maior mortalidade empresarial? E se a empresa for como um descartável? Se existir durante um determinado período povoada de nómadas de talento que amanhã podem estar noutra recém-criada mais inovadora? A firma com futuro é mais energética do que eterna - é mais como um insecto reincarnável do que como uma vetusta tartaruga de 300 anos.
Vocês falam de uma economia actual de 'hifenação', feita à semelhança de uma composição de vocábulos. Os inovadores serão os melhores em miscegenação, convergência e recombinação? O tão afamado engenhocas que grita Eureka foi substituído pelo perito em miscelânia?
Mas não é frequentemente a hifenação uma coisa do tipo Eureka? A 5ª Sinfonia de Beethoven não é uma combinação da 2ª e da 3ª, mas de qualquer modo está relacionada. Jimmy Hendrix «simplesmente» recompôs o hino nacional americano na sua actuação em Woodstock - mas isso continua a ser Eureka para mim. O que queremos dizer neste nosso livro é o seguinte: usem a hifenação como uma ferramenta de gestão e não tenham vergonha de «misturar» com sabedoria - criem uma indústria única. Mas, certifiquem-se que é dificil aos clientes fazerem o mesmo, isto é arranjarem cada uma das partes da miscelânea junto dos fornecedores individuais e fazerem o corta e cola eles próprios.
Com a globalização, o «Made by» tornou-se mais importante do que o «Made in», é isso que vocês dizem no vosso livro? O «Intel inside» é mais afamado do que o «Made in USA»? O que é que é mais conhecido: o «Made in Suomi» (provavelmente pouca gente saberá o que isso é - é a Finlândia) ou o Made by Nokia? Walkman by Sony é mais planetário do que o «Made in Japan»? Essas criaturas transnacionais ganharam vida própria e enfiaram os países no bolso? Ou, paradoxalmente, não saberá toda a gente que a Coca Cola, Marlboro, Silicon Valley, Disney, McDonalds, Intel, Microsoft, Yahoo! e Amazon.com são peças do «modo de vida americano»?
É evidente que a geografia não foi para o saco. A origem geográfica de um dado produto ou serviço continua a contar - e muito. Veja o que aconteceu com as vendas dos vinhos franceses depois dos testes nucleares que a França fez no Pacífico. Veja o que acontece quando as manifestações anti-americanas apedrejam o McDonalds. No entanto, a pergunta tem a sua razão de ser: o que é que você entende hoje em dia, em certos sectores, por um produto «sueco» ou «português»? Ou por uma empresa «americana» ou «sueca»? A que é que nos referimos: ao local onde a firma nasceu, ou onde estão hoje os proprietários maioritários (se é que estes têm cor de bandeira), ou onde está a sede, ou onde estão as fábricas e a maioria dos empregados, ou onde estão os parceiros ou onde vivem os clientes? A confusão reina, confessemos. Numa sociedade como a actual só a tribo «ultra-nacionalista» irá nessa conversa de comprar «nacional». As outras tribos agarrar-se-ão às marcas. Porquê? Porque elas reduzem a incerteza e inspiram confiança. Porque elas permitem comunicar uma imagem da nossa identidade. Não é, por isso, de admirar que valham uma pipa de massa. Uma marca como a Coca Cola ou a Marlboro vale 48 mil milhões de dólares.
A capitalização astronómica das empresas digitais como a Microsoft (que valia em 1998 três vezes mais do que o vetusto grupo Shell) ou a mais jovem Amazon.com é sintoma de verdadeiro «good will» do seu capital intelectual ou pura especulação como o preço das tulipas na Idade Média, que nos arrastará para uma crise?
É claro que há um risco. Sobretuto se formos na conversa do argumento «teórico» do crescimento dos rendimentos para toda a gente. É claro que não é assim: temporariamente só há lugar para uma Amazon excepcional, uma outra boa, uma tonelada delas assim-assim, algumas que sobrevivem e todo o resto que foi à falência. Para os que investiram na Amazon é o melhor dos mundos, para os que investiram na Bancarrota Inc., a nova economia é uma treta.
E, então?
Eu acho que há lugar para o papel e as políticas dos governos: assegurar a concorrência e, através desta, a renovação. O papel das empresas emergentes e dos seus líderes é criar monopólios, não concorrência - essa é uma das grandes confusões que por aí andam. Portanto, são os governos que têm de actuar como forças equilibradoras. Para que os clientes não sofram amanhã com os maleficios dos monopólios, os governos, no futuro, terão de obrigar empresas como a Amazon a partilhar com os concorrentes as suas bases de clientes, o que será mais inteligente do que a querer vir a partir em dois.
Isso no fundo é uma «indirecta» sobre a Microsoft?
Sim, mas tome nota que equilibrar os monopólios temporários, não pode significar que se uma empresa é muito boa já sabe o que lhe acontecerá - acabará por ser magoada.
sexta-feira, 18 de janeiro de 2008
Posted by ...
Unknown
às
16:31
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entrevista
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