quarta-feira, 16 de abril de 2008



Ao deixar o cargo de primeiro-ministro da Inglaterra, Tony Blair escreveu um artigo para a revista The Economist. No seu testemunho, confessou ter sido surpreendido pela realidade. Quando assumiu, dez anos antes, não esperava dedicar tanto tempo a questões de política externa como teve de fazer. Situação semelhante foi vivida pelo seu colega dos Estados Unidos, George W. Bush. Em 2000, os analistas previam que a administração Bush daria mais atenção à América Latina e teria como principais inimigos a China e a Rússia. As previsões caíram num saco roto com os atentados terroristas de 11 de setembro, em Nova York. Bush e Blair dedicaram a maior parte de seu tempo às guerras no Afeganistão e no Iraque. Tudo mudou por obra de uma surpresa. Por obra tão-somente do acaso.

O filósofo e matemático libanês Nassim Nicholas Taleb, chama a estes acontecimentos de “cisnes negros”, título de seu último livro. The Black Swan – The Impact of the Highly Improbable (O Cisne Negro – O Impacto do Altamente Improvável) alcançou o décimo lugar na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times.

No seu livro, Taleb classifica como “cisnes negros” aqueles acontecimentos fora da normalidade e de extremo impacto. São factos para os quais, atônitas, as pessoas buscam explicações em retrospecção. Os atentados de 11 de setembro encaixam-se nesse perfil. Outros exemplos não faltam. Em 1914, o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, foi assassinado por um nacionalista sérvio em Sarajevo. Um evento solitário, que provocou uma reacção em cadeia e levou à Primeira Guerra Mundial. Em 1987, numa segunda-feira de Outubro, por motivos aleatórios, a Bolsa de Valores de Nova York sofreu a maior queda de sua história. Fortunas desapareceram, investidores faliram e alguns até se suicidaram.

Eis a tese de Taleb: o acaso tem um peso muito maior na História e na nossa vida do que gostaríamos de reconhecer. Somos surpreendidos por factos fora da normalidade porque não reconhecemos os limites do conhecimento humano. Para Taleb, mais importante que aquilo que sabemos é o que não sabemos. Como a quantidade de coisas desconhecidas é muito maior do que as que conhecemos, deveríamos parar de tentar usar nosso parco conhecimento, baseado no passado, para fazer previsões “enganadoras” sobre o futuro. O título do livro é uma alusão a uma história exemplar sobre os limites humanos. Baseados no conceito da observação, até o século XVIII os cientistas acreditavam só haver cisnes brancos – afinal, nunca haviam visto um espécime de outra cor. Tal verdade durou até à descoberta da Austrália, onde existiam cisnes escuros. Aquilo que julgávamos ser a realidade dos cisnes era irreal. Usar o nosso conhecimento para prever o futuro não passa, portanto, de uma ilusão, pois o futuro é regido pelo que desconhecemos: o acaso.

Taleb é um partidário do acaso e um crítico feroz da indústria das previsões desde aquela segunda-feira de 1987, quando ainda era corrector. Ele diz ter-se convencido de que o mundo não segue as regras do mérito e da lógica e é guiado mais por comportamentos extremos do que pelo equilíbrio e pela igualdade. Nesse jogo, a sorte e o imprevisto teriam um impacto muito maior do que nós, humanos, gostamos de admitir.

Taleb sente-se à vontade no papel de crítico da ciência tradicional e dos seus métodos. Para ele, cientistas, intelectuais e especialistas de todo tipo acreditam saber muito mais do que sabem de facto. Com seu estilo muito próprio, ele recomenda esquecê-los. Eles negligenciariam os “cisnes negros” por se concentrarem demasiado em determinado tema, sem prestar atenção ao que está ao redor. Um exemplo prático foi a quebra da empresa gestora de recursos Long Term Capital Management (LTCM), em 1998. A LTCM tinha entre seus gestores, os economistas Myron Scholes e Robert Merton, laureados com o Prémio Nobel um ano antes. Nem isso salvou os seus clientes de perder dinheiro, porque eles arriscaram demasiado em busca da alta rentabilidade.

No livro, Taleb enumera vários “cisnes negros”, sobretudo na sua área, o mercado financeiro. De acordo com ele, factos como a quebra da LTCM acontecem porque o método científico tradicional – observar o passado e o presente para definir traços comuns e prever comportamentos futuros – não proporciona qualquer garantia. Nenhum sistema de controle teria conseguido prever ou evitar o tsunami de 2004. A onda gigante, resultado de um terremoto no fundo do Oceano Índico, varreu a costa de países da Ásia e da África e matou milhares de pessoas.

Em casos como esse, diz Taleb, manifesta-se outra característica dos “cisnes negros”. Os especialistas começam a construir as explicações em retrospecção e, devido ao pouco conhecimento, tentam forçar associações entre factos, passam por cima de detalhes e chegam a falácias. Para cada previsão errada, Taleb aponta o “absurdo” de os cientistas não admitirem a sua incapacidade ou insistência em fazer previsões.

A falha de Taleb é tentar, com sua tese, demolir todo o edifício científico. Enquanto fala sobre o mercado financeiro, a sua argumentação é precisa. Quando trata das armadilhas de confiar demais no conhecimento, também sai-se bem. O seu problema é tentar expandir demasiado e desqualificar as explicações históricas diante do poder dos imprevistos. O acto de tentar prever o futuro é uma característica humana. Os investidores procuram antecipar as tendências do mercado, e esse é um dos pilares que mantêm em pé o sistema financeiro internacional. Falhas vão continuar a acontecer, e são elas que ajudam a aperfeiçoar os sistemas de previsão. Numa edição histórica sobre o legado do século XX, a revista inglesa The Economist apresentou um balanço das suas próprias previsões e fez troça com o facto de ter errado mais que acertado. Talvez a ironia ainda seja o melhor caminho para tratar nossas limitações como futurólogos.

(fonte: adaptado de revista época)

Posted by ... Unknown às 13:04
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