quinta-feira, 13 de novembro de 2008



Liberal, o poeta defendia a industrialização assente na organização das empresas e nas exportações. E já falava em marcas próprias, publicidade ou liderança. Em 1926, Fernando Pessoa (1888-1935) começou a escrever na Revista do Comércio e Contabilidade, e, no seu espólio, deixou vários textos em que aborda temas ligados à economia e às empresas. Em 1919, por exemplo, publica no jornal Acção, um primeiro texto de intervenção económico, "Como organizar Portugal", em que surge como defensor da industrialização, um pouco contra as correntes de opinião dominantes, afi rmando que "o industrialismo sistemático, sistematicamente aplicado, é o remédio para as decadências de atraso, é, portanto, o remédio para o mal de Portugal".

O seu projecto de modernização para Portugal, em que a industrialização ocupava um lugar destacado tinha tanto uma dimensão microeconómica, com a sua insistência na organização e na estrutura empresarial, como uma componente macro em que pressupunha a existência de uma política industrial.

Os textos de Fernando Pessoa sobre gestão e organização têm a particularidade de serem tanto projectos de organização empresarial, em que muitas vezes chegam à minúcia da organização por departamentos, como reflexões sobre o serviço a prestar aos clientes, a organização do que hoje se chama marketing e do próprio packing.

As influências Henry Ford

Estes textos mostram os conhecimentos de Fernando Pessoa da emergência do paradigma organização científica da empresa e do trabalho, que foi tanto dos norte-americanos Taylor e Ford como do francês Fayol. Aliás, as leituras de Fernando Pessoa, de Walter Rathenau e de Henry Ford mergulham no âmago da reflexão e da implantação destes sistemas de organização, o modelo burocrático hierárquico, que curiosamente se impunha ao mesmo tempo que estava a nascer o sistema multidivisional de Alfred Sloan. Fernando Pessoa recorreu, pois, no que concerne à actividade empresarial, ao princípio essencial das grandes empresas que é a organização, o que leva a embrenhar-se e a derivar para temas que hoje consideramos do domínio marketing ou do governo das empresas.

Um aspecto importante a salientar no que se poderia chamar pensamento económico de Fernando Pessoa é a sua preocupação com o incremento das exportações e da sua consequente organização empresarial. São inúmeros os textos, os relatórios, as notas e os apontamentos existentes no espólio sobre o tema do comércio de importações e exportações, o que também tem que ver com a sua ligação profissional ao mundo import export. Por isso, o seu projecto ia no sentido da modernização da organização empresarial onde desce ao detalhe de mencionar "o aperfeiçoamento das embalagens", passando pela ideia de que a empresa exportadora devia comercializar os seus produtos "sob marcas próprias". De facto, nesta época, as exportações portuguesas eram sobretudo de produtos alimentares, nomeadamente vinhos correntes e vinho do Porto, com o agravante de serem vendidos a granel, ou seja, as exportações nacionais tinham um baixo teor de transformação industrial. E Pessoa não deixa de reflectir, aliás fá-lo com alguma minúcia, sobre os preceitos práticos da boa gestão e da excelência empresarial. De facto, por exemplo, "A essência do comércio" é quase uma aula moderna de marketing com a sua insistência do "foco no cliente".

Estado é a pior organização

Os textos mais económicos defendem um Estado e uma sociedade liberais, em que a concorrência é um dado da existência da comunidade, reflectindo também sobre as condicionantes que pairam sobre Portugal.

Fernando Pessoa critica a crescente tendência para o intervencionismo que veio a pôr fim à onda de globalização e de comércio livre que soprara no início do século, e na sua concepção liberal da economia opõe-se à intervenção do Estado: como escreveu, "de todas as coisas 'organizadas', é o Estado, em qualquer parte ou época, a mais mal organizada de todas". Mas mostra-se também contrário a qualquer outro tipo de monopólios. Num texto sobre um projecto de trust de livrarias pode ler-se: "Comercialmente a ideia é má e é má para todos: para os formadores do trust como para os comerciantes do género, que para o trust não entrassem. Perante a literatura ainda é pior", e, mais à frente, acentua que se for apenas uma empresa comercial é uma questão dos seus promotores, mas é "contra se for para ser um monopólio".

Em "Régie, monopólio, liberdade" é possível ver, a partir da sua discussão do monopólio dos tabacos, os argumentos para privatização e a defesa da concorrência para salvaguarda de consumidores e contribuintes, tal como em "As algemas" se vislumbra a sua aversão ao proteccionismo e a preferência pela desregulamentação. Em "Quando a lei estimula a corrupção", podemos verificar a actualidade da reflexão sobre os sistemas de governo e supervisão das empresas.

A sua profissão foi a de correspondente comercial em empresas de importação e exportação, por isso, na Revista de Contabilidade e Comércio, escreveu vários textos e conselhos sobre técnicas comerciais, e que foram colhidas pelo poeta, que muitas vezes as terá utilizado na sua vida prática. Aliás, o seu texto "Arquivo de correspondência" pode ser lido como um manual para arrumar os e-mails. Muitos dos conselhos são marcados pelo bom senso e de utilização proveitosa ainda hoje. Só um exemplo a propósito da comunicação empresarial: "Antes mais explicado do que mais breve; antes muitos parágrafos do que poucos; antes responder depressa, embora dizendo só arte, que demorar para dizer tudo."

Pioneiro do product-placement

A dada altura da sua vida, em 1925 Fernando Pessoa começou a colaborar com Manuel Martins da Hora, na Empresa Nacional de Publicidade, que, dois anos depois, se aliou à J. Walter Thompson que ficara com a publicidade da General Motors.

Seria na agência Manuel Martins da Hora que Fernando Pessoa escreveria um texto para as tintas Berry/Loid, além de ter escrito slogans como "Primeiro estranhase.

Depois entranha-se" para a Coca-Cola, e "Uma cinta Pompadour veste bem e ajuda sempre a vestir bem" e "Seja qual for a linha da moda na Toilette feminina é sempre indispensável uma cinta Pompadour." E quando Álvaro de Campos escreve, a 5 de Maio de 1928, o verso: "Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra" estava a ser pioneiro do product-placement, pois, como referimos, Fernando Pessoa esteve ligado à agência de publicidade da General Motors, fabricante do Chevrolet. Escreveu também textos de estratégia de comunicação e publicidade.

Um dado curioso é a atenção dada por Fernando Pessoa às questões de desenvolvimento e gestão pessoal, ou, como hoje se designam, as soft competencies. No texto "Elementos de vitória", Fernando Pessoa refere-se aos livros "que ensinam a vencer", acrescentando que "muitos deles contêm indicações interessantes, por vezes aproveitáveis.

Quase todos se reportam particularmente ao êxito material, o que é explicável, pois é esse o que supremamente interessa à grande maioria dos homens. A ciência de vencer é, contudo, facílima de expor; em aplicá-la, ou não, é que está o segredo do êxito ou a explicação de falta dele. Para vencer material ou imaterialmente três coisas definíveis são precisas: saber trabalhar, aproveitar oportunidades, e criar relações".

Como verificamos, o poeta preocupa-se com o que hoje se chama networking, a base de relacionamento profissional e pessoal de cada gestor, e com a capacidade de executar e de estar atento às oportunidades.

Um consultor de carreiras não faria melhor.

Por outro lado, não deixa por vezes de se transformar num coach, como quando refere que se temos, pois, "a liberdade de escolha, por que não escolher a atitude mental que nos é mais favorável, em vez daquela que nos é menos?" Fernando Pessoa também sonhou ser empresário de vários negócios, tendo chegado de facto a ser dono de uma tipografia, a Íbis, e de uma editora, a Olisipo. E se na prática foi um empreendedor fracassado, não deixou de imaginar, o seu grupo de empresas e de negócios, uma espécie de Fernando Pessoa SGPS e de escrever com minúcia os seus escritórios de representação, de comissões, as empresas exportadoras, a sua editora.

A ideia de cluster antes de Porter

Há em alguns dos seus textos uma ideia de política industrial, como é o caso de "Bases para dois projectos de concentração industrial", que parece uma elaboração do conceito de cluster de Michael Porter, avant la lettre, ou "Bases para a formação de uma empresa de produtos portugueses", que funcionasse como um agrupamento de várias empresas com o objectivo de ter capacidade de exportação e de implantação nos mercados internacionais: "Se estabeleceriam gradualmente no estrangeiro, e começando pelas principais cidades, lojas para a venda directa ao público de produtos portugueses." Todos estes textos mostram a intensidade e o fascínio de Fernando Pessoa pela emergência dos fenómenos da gestão, do marketing e da publicidade, e a sua leitura hoje é de uma refrescante actualidade.

(fonte: da autoria de Filipe S. Fernandes, publicado na revista exame)

Posted by ... Unknown às 14:01
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